AUTORIA

Gabriela Lucchesi

TRADUÇÃO

GERENTE RESPONSÁVEL

DIRETOR RESPONSÁVEL

Murilo Maciel

Em “Compras Sustentáveis: evoluindo a sustentabilidade para além das operações”, iremos compreender que a forma de fazer negócios está cada vez mais vigiada pela sociedade. A cada dia, fica mais evidente para empresas e seus stakeholders de que não há mais espaço para a continuidade de modelos de negócios que priorizem somente os resultados financeiros, sem considerar as pessoas e o meio ambiente. O crescimento econômico sustentável é fundamental para o futuro não só das empresas, mas da sociedade como um todo.

Práticas sustentáveis e ESG

Sendo assim, a temática tem ganhado cada vez mais destaque dentro do mundo corporativo, onde as práticas sustentáveis e o ESG estão sendo disseminados e institucionalizados nos mais diversos setores e empresas. Com diferentes níveis de maturidade entre países, indústrias e organizações, ainda existe uma longa jornada para a transição do discurso em práticas progressivamente mais efetivas, dados constantes os alertas de cientistas de todo o planeta sobre a pressa em reverter e frear riscos iminentes do nosso atual modelo de crescimento.

Mas, enquanto as empresas continuam na sua jornada de serem cada vez mais sustentáveis, o olhar tem se voltado para as cadeias de suprimentos e fornecedores. Afinal, o quão sustentável pode ser uma empresa que compra sem analisar a sustentabilidade de seus parceiros comerciais?

A gestão sustentável da cadeia de suprimentos e fornecedores

Para qualquer instituição, a gestão de suas compras tem grande importância estratégica, já que consiste na maior fonte de gastos, variando entre 35% a 90% dos custos totais. A curto prazo, a redução desses custos tem um efeito significativo podendo gerar um salto na lucratividade, mas, considerando uma estratégia a longo prazo, as empresas podem estar vulneráveis a diversos riscos de sustentabilidade por falta de visibilidade e rastreabilidade de suas cadeias de fornecimento.

O poder de compra de uma empresa é enorme, já que resulta em impactos significativos para empresas, instituições e seu entorno, movimentando uma extensa cadeia de fornecedores e, com ela, populações e consumo de recursos naturais. A tríade preço, prazo e qualidade já não é mais suficiente para consumidores, stakeholders e a sociedade, que cobram maiores informações sobre as origens de produtos e serviços. É necessário saber o quanto se compra, o que se compra e de quem se compra, buscando a criação de valor compartilhado para todos os envolvidos.

O futuro da sustentabilidade e as marcas

O panorama mundial de discussão de um futuro sustentável traz líderes, investidores, governos, terceiro setor e a sociedade civil com uma visão cada vez mais crítica e analítica das práticas empresariais. Ainda, com o surgimento e disseminação da internet e das mídias sociais, a velocidade e o fórum de compartilhamento de denúncias mudou, trazendo para o tribunal público as condutas empresariais ilegais ou reprováveis sendo compartilhadas por milhares, ou milhões de pessoas, quase que instantaneamente. De um dia para o outro, a reputação e valor de marca das empresas podem subir ou cair vertiginosamente.

Não é de hoje que esse assunto permeia o mercado. Fatos marcantes, como o escândalo da Nike, exposto pela Revista Life em 1996, são precursores do risco que as compras a menor preço podem trazer para a reputação de uma marca e, consequentemente, seus negócios. Relembrando o caso de mais de 20 anos atrás, a contratação de fábricas em países da Ásia sem a análise de condições de trabalho, chocou o mundo com imagens de uma criança de 12 anos costurando bolas de futebol. Os efeitos duraram décadas e até hoje vemos esta e outras empresas vinculadas à temática em veículos jornalísticos e redes sociais.

A legislação e a sustentabilidade

Historicamente, legislações, fóruns e publicações foram criados por diferentes países nos últimos quase trinta anos. Em primeiro lugar, focava-se em casos direitos humanos, principalmente de trabalho infantil, tráfico humano, trabalho análogo à escravidão e condições degradantes de trabalho, evidenciado pela da Lei de Transparência na Cadeia de Suprimentos da Califórnia (EUA) e na publicação do documento de Princípios Orientadores das Nações Unidas para Empresas e Direitos Humanos. A partir dos anos 2000, uma visão mais abrangente começou a ganhar cada vez mais força, com uma ampliação de temas para abordar os desafios identificados e o foco nas compras como um caminho de mitigar riscos e priorizar empresas mais sustentáveis. É o caso do Projeto Procura+ na Europa e a Lei de Compras Sustentáveis no Brasil.

Em 2010, a primeira alteração na legislação brasileira foi marcada pela alteração da antiga lei de licitações públicas, incluindo a sustentabilidade como um fator de tomada de decisão. Outras legislações nacionais, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos, também dão suporte para as práticas de compras sustentáveis. Mas foi em 2017 que a primeira orientação padronizada é divulgada para o mercado corporativo, com a ISO 20.400 de compras sustentáveis, um documento de orientação para a integração de sustentabilidade nas compras.

Atualmente, as diretivas e leis da União Europeia em tramitação, tem colocado o Brasil em alerta. A proposta de diretiva de due diligence de sustentabilidade da União Europeia (EU) visa promover práticas sustentáveis empresariais e suas responsabilidades nas cadeias de valor globais, incluindo empresas dentro do território da EU, com atuação em outros países e aquelas que fazem parte de suas cadeias de valor, afetando as companhias brasileiras. Já a Lei Antidesmatamento da União Européia, aprovada em dezembro de 2022, traz a obrigação de empresas de verificar se os produtos que chegam ao mercado da União Européia não são originados de áreas de desmatamento ou degradação florestal, visando combater as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade. A nova lei abala o mercado nacional e exportadores de diversas commodities brasileiras e de outras indústrias que tenham essas matérias-primas vinculadas à sua produção, pressionando e fomentando o progresso na adoção de práticas sustentáveis nas companhias brasileiras.

Compras sustentáveis / Aquisições sustentáveis

É nesse cenário que o termo de compras sustentáveis ou aquisições sustentáveis vem sendo cunhado. Conforme a ISO 20.400, compras sustentáveis são “compras que tem os maiores impactos ambientais, sociais e econômicos positivos possíveis ao longo de todo o ciclo de vida.” Ou seja, decidir comprar e consumir considera toda a cadeia de produção de um bem ou serviço, desde a extração de matéria-prima e consumo de recursos naturais, até o produto final, considerando os aspectos sociais, ambientais e econômicos envolvidos. Empresas não são mais exigidas de não causar impactos negativos, mas sim, compreender o seu papel para a sociedade gerando impactos positivos.

Trazer a sustentabilidade para a visão de compras e da cadeia de valor é mais do que responder a pressões externas às empresas, mas também traz inúmeros benefícios e oportunidades, como o estímulo à inovação, a confiança e atração de investidores, a expansão de mercado com o atendimento às legislações e padrões internacionais e o aumento de retenção de talentos da empresa, com funcionários cada vez mais interessados e críticos na seleção de seus empregadores.

Critérios sustentáveis nas corporações

Por isso, empresas ao redor do mundo tem incluído critérios específicos de sustentabilidade para seus fornecedores e parceiros de negócio. Em pesquisa realizada em 2022, 46% das empresas sinalizaram essa operacionalização em andamento e vê-se exemplos dentro e fora do Brasil. A Apple avalia seus fornecedores há mais de 15 anos em até mais de 800 critérios, publicando relatórios específicos anuais sobre seus progressos, com programa robusto implementado com a realização de auditorias presenciais e critérios mínimos a serem atendidos para a realização de parcerias.

No Brasil, diversos setores têm mostrado progresso na implementação de práticas sustentáveis em compras. A Raízen, embasada em sua Política de Compras Sustentáveis e diversos outros documentos internos, possui um programa de benefícios para fornecedores mais sustentáveis, como a antecipação de pagamentos, uma estrutura de suporte aos parceiros com a disponibilização de treinamentos e avaliação contínua, além de realizar o reconhecimento e premiação de fornecedores destaque conforme a sua avaliação.

Também notadamente reconhecida na temática, a Natura & Co tem como objetivo a rastreabilidade completa e/ou certificações da nossa cadeia de suprimentos críticos até 2025 de insumos definidos. Sua operacionalização conta com questionários de avaliação de critérios de sustentabilidade, incluindo a possibilidade da realização de auditorias in loco. Assim como a Raízen, a Natura também desenvolveu um programa de parceria visando desenvolver relacionamentos de qualidade e longo prazo com seus principais fornecedores e reconhecer fornecedores nos principais requisitos de padrões com base na Visão e Estratégia da Natura & Co.

Como integrar a sustentabilidade nas compras?

Ainda assim, ainda existem diversas organizações brasileiras dando seus primeiros passos para compras responsáveis e enfrentando desafios comuns. Então, como as empresas e organizações podem integrar a sustentabilidade nas compras para promover e priorizar fornecedores mais sustentáveis? Percorrer essa jornada de maneira eficiente, eficaz e direcionada, existem algumas etapas a serem percorridas:

1. Estratégia

Desenhar a estratégia de compras sustentáveis significa desenhar o caminho, as ferramentas e os passos necessários a se chegar a um propósito definido. Desde a definição de metas e indicadores, até o detalhamento das abordagens e a governança do tema dentro da empresa.

2. Diagnóstico

Uma vez tendo os elementos estratégicos definidos, é importante compreender o cenário atual de sua cadeia de fornecedores. Além de ter a visibilidade da diversidade de categorias, porte e tipos de fornecedores, é necessário analisar o risco e a criticidade em critérios de sustentabilidade e compreender o nível de maturidade esperado. Definir o ponto de partida permite acompanhar o progresso de ações propostas e da sustentabilidade da cadeia.

3. Estruturação

A estruturação de compras sustentáveis consiste no desenho da solução aplicável e adequada para cada empresa e suas cadeias de fornecedores. É necessário construir e definir as ações e práticas a serem incorporadas, como o escopo, método, aplicação e verificação da avaliação, além do uso de seus resultados.

Os ajustes necessários são, então, traduzidos nos processos, normas e procedimentos e na habilitação e engajamento dos envolvidos na operacionalização.

4. Operacionalização

Conforme a estrutura estabelecida, é necessário iniciar a operacionalização de compras sustentáveis, de forma progressiva, inclusiva e faseada, respeitando a adaptação de clientes e fornecedores. Acompanhar a execução da solução desenhada exige a gestão de resultados, indicadores de sucesso estabelecidos e a busca pela sua melhoria contínua.

5. Engajar e Desenvolver

Ainda considerados como novos critérios por algumas empresas brasileiras, ponderar a sustentabilidade de sua cadeia de fornecimento esbarra em uma base de fornecedores intrinsecamente diversa. Desde categorias de fornecimento, como tipos de produtos e serviços, até o porte e a maturidade de fornecedores em sustentabilidade. Um plano de engajamento e desenvolvimento de fornecedores é um dos maiores aliados para o sucesso da implementação de compras sustentáveis. Desde dar suporte no desenvolvimento e progresso para atendimento dos requisitos solicitados até o reconhecimento de fornecedores que excedem as expectativas.

Criar um ecossistema de trocas e compartilhamento de boas práticas e disponibilizar materiais, workshops e treinamentos é primordial para a evolução conjunta dessa rede. A colaboração tem e sempre terá um papel essencial para as pautas sustentáveis, onde o equilíbrio e a integração entre ambiental, social e econômico é sustentada com visões diversas e, ao mesmo tempo, compartilhadas.

Conclusão

É evidente que promover a sustentabilidade na cadeia de fornecedores não é uma tarefa fácil, mas os benefícios a curto, médio e longo prazo geram valor compartilhado entre todas as partes envolvidas.

Mesmo com a discussão do tema ocorrendo há décadas, até hoje vemos casos que poderiam ser mitigados com a devida diligência de fornecedores e práticas das cadeias, como os casos mais recentes de grandes marcas brasileiras com terceirização de trabalhadores em condições de escravidão. Ainda há um longo caminho pela frente, mas quanto mais as empresas evoluírem e normalizarem a inclusão de critérios sociais, ambientais e de governança em suas compras, mais fácil o desafio se torna para todos.

A BIP acredita que, atualmente, a incorporação de práticas sustentáveis aos processos é imprescindível para o sucesso de qualquer organização, inserida em qualquer indústria. Por isso, possuímos uma série de abordagens, cases e insights que podem auxiliar a alavancar ainda mais a sustentabilidade na sua empresa. Clique aqui e saiba mais.

Assessment de Compras Sustentáveis

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Referências

https://hbr.org/2001/06/a-smarter-way-to-buy

https://antigo.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/producao-e-consumo-sustentavel/plano-nacional.html

https://www.thefashionlaw.com/visibility-is-central-to-a-successful-supply-chain-heres-what-brands-need-to-know/

https://www.newidea.com.au/nike-sweatshops-the-truth-about-the-nike-factory-scandal

https://iclei-europe.org/projects/?c=search&uid=HFq186mB

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12349.htm

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm

https://oag.ca.gov/SB657

https://americadosul.iclei.org/lancamento-do-manual-procura-guia-para-implementacao-de-compras-publicas-sustentaveis/

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