AUTORIA

Julien Cucurella

TRADUÇÃO

GERENTE RESPONSÁVEL

DIRETOR RESPONSÁVEL

Um pouco de história

Se a gente se projetar no passado, olhando uma década para trás apenas, os call-centers eram a principal – e quase única – ferramenta de atendimento das empresas (usava-se a palavra “call” pois os clientes costumavam ligar para resolver qualquer demanda).
Nesta época, a maioria das interações eram humanas e as ferramentas de auxílio ao atendimento – sistemas de CRM e legados – apresentavam um baixo grau de centralização das informações e de automação (encontramos em alguns projetos da BIP situações nas quais os atendentes tinham que manusear mais de 10 sistemas diferentes para atender as principais demandas dos clientes). As soluções de URA eram de tipo DTMF (“Dual Tone Multi-Frequency” ou seja com menus de opções numéricas), sem capacidade de contextualização da situação do cliente, com poucos auto-serviços disponíveis e interatividade com cliente limitada, gerando transbordo considerável para o atendimento humano.
Com isso, os executivos das áreas de relacionamento com cliente costumavam enxergar os call-centers como grandes centros de custos apenas, nos quais havia foco total em eficiência (com redução do tempo de atendimento principalmente) e pouco interesse estratégico.

A Transformação Digital revolucionou o relacionamento com cliente

Porém, no entretanto, chegou a era da transformação digital, com uma forte aceleração no período da crise covid. Essa onda transformou a realidade do relacionamento com cliente de forma drástica e trouxe oportunidades de diferenciação fantásticas para as operadoras de telecomunicações. De fato, hoje em dia os players do mercado possuem produtos similares com preços equivalentes e, com isso, a capacidade de entregar ao cliente uma experiência personalizada de qualidade se tornou uma grande vantagem competitiva.
Entre as principais mudanças que a transformação digital fomentou vale citar:
1. A multiplicação dos canais de contato: uma série de novos touchpoints começou a aparecer no decorrer dos anos com os Apps e sites web de selfcare, canais de texto (ex.: SMS, WhatsApp, Apple Business Chat, Telegram) com ou sem chatbot, redes sociais (ex.: Facebook, Instagram, Twitter), etc… Essa multiplicação resultou em comportamentos clientes cada vez mais voláteis, os clientes querendo ter a escolha do canal mais conveniente para eles em função da tipologia das suas demandas ou da situação na qual eles se encontram naquele momento. Surgiu também uma necessidade crescente de poder navegar entre os canais em uma lógica omnichannel (ou seja, iniciar a tratativa de uma demanda em um determinado canal, migrar para outro canal e retomar a tratativa no ponto que tinha parado).

2. A explosão do volume de dados gerados pelas empresas: de forma geral e, mais especificamente, pelas plataformas de atendimento, o mercado como um todo surfou essa tendência, aproveitando dos insights oriundos desses dados para customizar as jornadas dos seus clientes e melhorar a experiência com as suas respectivas marcas. Este movimento contribuiu – entre outros – a elevar o nível de exigência dos clientes em termos de CX uma vez que, ao vivenciar uma experiência positiva com uma marca (seja uma empresa concorrente ou de outro setor), os clientes criam expectativas de ter experiências similares com todas.

3. A maior inteligência e resolubilidade dos canais automáticos (ex.: selfcare): as demandas mais simples (que correspondiam historicamente à maior parte dos volumes de contatos) estão sendo resolvidas sem necessidade de intervenção humana. Isto resultou em uma redução dos volumes de contatos nos contact-centers (não mais chamados de “call-centers” em função da pluralidade de canais de voz e texto que eles atendem) e na complexificação das demandas que sobram para os atendentes humanos.

A redução da intervenção humana no contact-center

Sobre este último ponto, muitos executivos acreditaram que a volumetria de contatos humanos iria despencar com a chegada do digital, trazendo oportunidades enormes de redução de custos. No entanto, nós da BIP observamos com diversos dos nossos clientes que essa tendência não se confirmou: os contatos reduziram, porém, com trends muito menos agressivos do que esperado. Isso se explica principalmente pelo fato das empresas terem dado aos clientes maior facilidade de acesso à informação (sobre seu consumo, faturas, contrato, etc…), gerando automaticamente mais dúvidas ou reclamações.

Afinal, como resultado dessa transformação, o atendimento humano vem sofrendo uma pressão maior. Principalmente porque os clientes que o acionam estão tendo um desgaste maior antes de chegar até o contact-center: muitas vezes eles tentaram resolver a sua demanda em um ou mais canais automáticos antes de entrar em contato com humano, sofreram uma certa fricção nos canais de “passagem” (seja uma URA ou Chatbot que fez de tudo para retê-los) e enfrentaram uma fila de espera para finalmente conseguir falar com um atendente que, por sua vez, demostra um baixo poder resolutivo em função da maior complexidade das demandas (requerendo em muitas ocasiões intervenção de áreas externas).

Na nossa visão, tudo isso fez com que os contact-centers ganhassem um papel muito mais estratégico do que tinham no passado:
1. Eles são a retaguarda da jornada de atendimento do cliente e são os únicos capazes de reverter, com uma abordagem de caring adequada, a sensação de esforço / desgaste que o cliente teve anteriormente

2. Eles constituem – através da gravação das ligações ou conversas de chat – uma fonte de informações muito rica quanto aos motivos de atrito com o cliente e causas raízes dos contatos com a empresa. Essas informações permitem retroalimentar a estratégia de desenvolvimento dos canais automáticos (App, URA, Chatbot, etc…) para garantir que a demanda do cliente seja resolvida o mais cedo possível ao longo da jornada, reduzindo a necessidade e sensação de esforço

As empresas investem massivamente em tecnologia para se adaptar aos novos comportamentos

Para lidar com essa nova realidade, as empresas têm aumentado e diversificado o uso de tecnologias de ponta como a inteligência artificial, cognição ou ainda process mining. Obviamente os desafios são diferentes ao longo da jornada de atendimento, o que explica a diversidade de tecnologias necessárias e seus âmbitos de aplicação:

Figura 1 – Principais etapas da jornada de atendimento.

• No contact-center, como discutimos anteriormente, o desafio consiste em desafogar o atendente da complexidade dos processos e das ofertas (para que ele possa focar no cuidado ao cliente), e aumentar seu poder resolutivo. Isso se dá por meio de:
o Novas ferramentas de CRM, mais ágeis e inteligentes, capazes de sugerir por exemplo a melhor oferta ou a melhor tratativa para um cliente que se encontra em uma determinada situação, além de automatizar o passo a passo do atendente,
os assistentes cognitivos que escutam em tempo real a conversa entre o cliente e o atendente e auxiliam o atendimento através de sugestões de conteúdos e atalhos específicos visando trazer agilidade e assertividade à tratativa da demanda do cliente.

• O Speech Analytics para mapear a voz do cliente e identificar a causa raiz dos contatos e motivos de atrito. O Speech Analytics se baseia em técnicas de NLP e NLU (respectivamente “Natural Language Processing” e “Natural Language Understanding”), derivadas de inteligência artificial, para conseguir identificar o sentido das frases que o cliente / atendente pronunciam e entender o contexto geral das conversas. Para que seja possível aplicar essas técnicas, as ligações precisam ser primeiramente transcritas usando outra tecnologia chamada de Speech-To-Text (aqui vale ressaltar que podem existir alguns desafios técnicos adicionais com a qualidade das gravações para viabilizar a transcrição).

• O Process Mining para entender como os processos de atendimento estão sendo executados na prática, identificar e quantificar potenciais gargalhos que podem afetar a resolubilidade do contact-center e consequentemente a experiência do cliente. Nós da BIP apostamos muito nesta tecnologia após ter implantado múltiplos cases de projetos através do nosso centro de excelência em Process Mining em setores diversos.

• Nos canais de auto-atendimento, os agentes cognitivos são cada vez mais presentes seja na URA, canais de texto com chatbot ou ainda assistentes pessoais. O intuito aqui é de facilitar a interação com os clientes mediante conversas em linguagem natural e ser capaz desta forma de capturar demandas de maior complexidade para reduzir o transbordo no contact-center. O uso de tecnologias como Neural Text-to-Speech contribui por sua vez em mitigar o atrito natural que os clientes podem sentir ao perceber que estão interagindo com um robô, sintetizando uma voz humana de forma quase imperceptível e usando por exemplo um sotaque customizado para se adaptar à persona do cliente.

• Ao longo do próprio ciclo de vida do cliente, a aplicação de inteligência artificial está se desenvolvendo com modelos preditivos capaz de prever contatos de clientes em determinadas situações. Esses modelos são em seguida combinados a ações reativas (ex.: abordagem específica na URA quando o cliente liga) ou proativas (ex.: push de mensagem para avisar o cliente de evento inesperado solicitando para aguardar enquanto está sendo resolvido) para tentar evitar o acionamento do atendimento humano.

Como o 5G irá impactar esse cenário?

A tecnologia 5G apresenta algumas características importantes que devem mudar a forma com a qual será utilizada a conectividade no futuro. Entre elas cabe citar uma velocidade e uma capacidade de tráfego iguais a 100x as do 4G e uma latência muito reduzida. Apenas relembrando o conceito de latência que corresponde ao tempo entre o momento no qual efetuamos uma solicitação no nosso dispositivo (ex.: clicar em um link em uma página web) e o momento no qual o servidor de destino começa a nos devolver dados (ex: início da abertura da página web de destino).

Figura 2 – Algumas caraterísticas importantes do 5G (vs 4G).

Olhando para o uso quotidiano do nosso plano de dados (navegação na internet, uso de redes sociais, mensagerias, etc…) o 5G não deve trazer grandes mudanças pois, muito provavelmente, nenhum dos avanços representados no diagrama acima será perceptível para os usuários. Talvez a única exceção seja referente ao tema da capacidade da rede que poderia ser eventualmente percebida durante eventos de grande porte onde há uma forte agregação de pessoas e dispositivos conectados em uma área geográfica restrita.
Porém, se pensarmos fora do uso tradicional do nosso plano, o 5G deve habilitar o desenvolvimento de novos serviços disruptivos através de alianças entre as operadoras de telecomunicações e empresas de outros setores. Nesse caso, as características dessa nova tecnologia se tornam muito interessantes:
• A maior capacidade da rede deve alavancar o mercado do IoT (Internet of Things) pela maior quantidade de dispositivos que poderão ser conectados simultaneamente. Esses dispositivos serão utilizados para criar, por exemplo, serviços de monitoramento e controle remoto (ex.: robôs de manufacturing, sensores conectados para agronegócio, domotica, monitoramento de parâmetros de saúde com dispositivos wearables como smart watches, etc…)

• A menor latência deve por sua vez alavancar aplicações de “missão crítica” para as quais a estabilidade da conexão e a velocidade de trocas / processamento de dados são fatores críticos como, por exemplo, a cirurgia remota ou ainda o veículo autônomo (pilotado por uma inteligência artificial remota). Os analistas também apontam para a expansão de aplicações como a realidade virtual (VR): se for o caso, o metaverso poderia vir a se democratizar fazendo com que os clientes comecem a sentir a necessidade das empresas disponibilizarem um canal de atendimento virtual. Nesse cenário as empresas irão precisar de novos investimentos em desenvolvimento e IA para criar assistentes virtuais capazes de entregar uma experiência imersiva, totalmente diferente do que conhecemos até então: imaginem encontrar em um mundo virtual com um robô que nos apresentaria visualmente o detalhe da nossa conta de telefonia ou faria uma demonstração dos produtos a venda na loja virtual.

Figura 3 – Ilustração de exemplos de aplicações do 5G (fonte: www.nato.int)

Empresas terão que combinar redes 5G com a Tecnologia Edge Computing

Importante ressaltar, contudo, que para entregar essa baixa latência as operadoras terão que combinar suas redes 5G com uma tecnologia baseada em cloud chamada Edge Computing. Essa tecnologia permite reduzir a distância física entre o usuário do serviço e o lugar onde é feito o processamento de dados. Conceitualmente isso consiste em distribuir geograficamente a capacidade de processamento com mini-clouds localizados ao redor do país. As operadoras de telecomunicações ainda não possuem internamente tal tecnologia, nem o know-how necessário para implementar e operá-la. Com isso, é altamente provável que elas formem parcerias com os hyperscalers (Google, Amazon, etc…) que dominam as tecnologias voltadas a cloud computing.
No que tange ao atendimento ao cliente, acreditamos que os novos serviços oriundos do 5G irão trazer uma série de novas mudanças. Entendemos também que a natureza dessas mudanças será intimamente ligada aos modelos comerciais que as operadoras irão implementar com seus ecossistemas de parceiros. Portanto, imaginamos aqui dois possíveis cenários:
1. A operadora comercializa o novo serviço: neste caso, o cliente estará comprando um serviço adicional da operadora, esperando muito provavelmente ter transparência na conta (ex.: com uma linha de cobrança a mais correspondente ao serviço) e querendo falar com a operadora na hora que for precisar de atendimento ou suporte. A partir deste ponto, a operadora possui alguns caminhos para disponibilizar atendimento, como por exemplo:

a. Deixar a estrutura de atendimento inteira na mão da empresa parceira: aqui trata-se do parceiro montar e operar uma estrutura completa de atendimento (canais automáticos e humano), fornecendo para os clientes contatos de SAC específicos que apontam para tal estrutura. Esse modelo, apesar de parecer de fácil implementação para a operadora, possui muitos contras tais como:
i. Dificuldades para controlar a jornada de atendimento / experiência vivida pelos clientes
ii. Necessidades de transferência cada vez que o cliente deseja solicitar atendimento sobre mais de um produto no mesmo contato ou ainda falar sobre a conta da operadora como um todo (a não ser que a empresa parceira seja capacitada e tenha alçada em mexer na fatura da operadora)
iii. Em situações em que o cliente enfrenta problemas ligados à conectividade, o parceiro terá que abrir um ticket para que a operadora possa intervir, criando risco de ver aparecendo efeitos de “ping-pong” entre as empresas

b. Evoluir a estrutura de atendimento própria para contemplar os novos serviços: neste caso, as operadoras precisarão ganhar agilidade para conseguirem se adaptar de forma rápida a cada lançamento de novo serviço e não impactar o time-to-market.

Canais de auto-atendimento integrados

De fato, os canais de auto-atendimento deverão integrar, em curto espaço de tempo, todo o informacional e funcionalidades transacionais necessários para atender as demandas de clientes relativas ao novo serviço. Vale ressaltar que não espera-se ter muito reaproveitamento das funcionalidades desenvolvidas entre serviços uma vez que não haverá – a priori – similaridade entre eles.

Além disto, uma curadoria específica das IAs cognitivas (URA, Chatbot, Speech Analytics, etc…) deverá ser realizada a cada lançamento para garantir que sejam capazes de entender as problemáticas inerentes ao novo serviço.

Os contact-centers, por sua vez, terão que enfrentar mais complexidade do que já conhecem hoje, devido à chegada de novos produtos e processos de atendimento.

2. A empresa parceira comercializa o serviço: nesse cenário, o cliente compra o serviço do parceiro e interage exclusivamente com ele quando precisar de suporte, sem interface alguma com a operadora. No entanto, a empresa parceira se apoia na operadora para resolver questões ligadas à conectividade. Trata-se aqui para a operadora de fornecer um atendimento B2B com suporte técnico e sem necessidade de desenvolver uma estrutura de atendimento complexa para cada novo produto. Vale observar que, nesse modelo, as operadoras deixariam passar a oportunidade de gerar novas receitas oriundas da utilização dos serviços além da conectividade em si.

Ademais, é valido lembrar que qualquer seja o cenário escolhido, as operadoras precisarão se preparar para poder fornecer um suporte técnico voltado não só ao uso da rede como também ao uso de cloud em função da entrada da variável do Edge Computing na equação do 5G. Esse suporte, que poderia eventualmente ser realizado com apoio dos hyperscalers, ainda não existe e precisa ser desenhado e implementado.

O atendimento e o relacionamento com o cliente

O mundo do atendimento e relacionamento com o cliente está se tornando cada vez mais complexo com comportamentos clientes mais voláteis, novos produtos, maiores volumes de dados e informações para interpretar, etc… O setor das telecomunicações ainda precisa lidar por cima com a chegada do 5G que não deve facilitar essa situação.
Com isso, nós da BIP acreditamos que seja fundamental que:
• Antes de lançar serviços inovadores em grande escala, as operadoras definam um modelo de atendimento único para todos os produtos para garantir que a gestão do relacionamento com o cliente como um todo não se torne rapidamente inviável.

• Visto a complexidade que ainda está por vir, as empresas continuem investindo em tecnologias de ponta (IA, Cognição, Process Mining, etc…) para ganhar reatividade no entendimento do comportamento dos clientes e agilizar a tratativa das suas demandas o mais cedo possível ao longo das suas jornadas.

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