A transformação digital democratiza a aplicação de tecnologia, possibilitando às pessoas, com um baixo custo, criar e inovar com uma facilidade muito grande. Contudo, grande parte das empresas e seus colaboradores precisam ser estimulados para que a inovação seja exponencial dentro da organização. Esse processo passa por mudanças organizacionais, estruturais e culturais. Neste artigo exploramos algumas práticas que as empresas vêm adotando para alavancar a inovação dentro da companhia.
Acreditar que conseguirão transformar-se apenas focando em iniciativas digitais e aplicações de tecnologias é um erro comum cometido por parte das empresas que estão passando pelo processo de transformação digital. Componente importante do processo de transformação digital é a implementação de uma cultura de inovação que permita e promova um solo fértil para a germinação de ideias. Essa cultura é baseada em experimentação, aprendizagem rápida e aceitação de riscos, pilares representados por conceitos largamente difundidos, como o “fail fast” (fracasse rápido).
Esse conceito em específico é defendido por Eric Ries em seu livro ‘Startup Enxuta’ e diz respeito à constante experimentação em busca da geração de valor detectando-se falhas em estágios iniciais dos projetos e permitindo a pivotagem (mudanças de direcionamento com o projeto em andamento), portanto, reduzindo perdas financeiras e de tempo. A filosofia prega que a identificação do fracasso de forma precoce gera aprendizado, aumentando a probabilidade de sucesso em iniciativas futuras, dessa maneira, tentativas frustradas são fonte de conhecimento e devem ser encaradas de forma positiva. Essa mentalidade é estritamente relacionada ao conceito de agilidade, também parte fundamental da transformação digital. As metodologias ágeis, como XP, Scrum e Kanban objetivam justamente permitir maior poder de adaptabilidade às empresas em curtos espaços de tempo, o que vai ao encontro das necessidades para se estabelecer um ambiente propício à inovação.
Como diz a famosa frase de Peter Drucker, “a cultura come a estratégia empresarial no café da manhã”, portanto na prática, construir uma cultura de inovação passa não somente pela implementação de iniciativas de fomento, mas fundamentalmente nasce da revisão de valores e princípios da organização. Empresas digitais inovadoras são modelos de uma cultura digital voltada à inovação e podem servir de inspiração a outras empresas. A identidade organizacional do Google, por exemplo, apresenta nove princípios de inovação, entre eles, o “fail well” que está correlacionado ao conceito do “fail fast” apresentado anteriormente, outro princípio é o “innovation comes from anywhere” que reforça que iniciativas abrangentes na organização fazem com que boas ideias surjam de qualquer lugar. Outro exemplo é a Amazon, dentre os 14 princípios de liderança da empresa, dois se sobressaem no contexto da inovação: “learn and be curious” que trata da busca pela melhoria e inovação contínuas a partir da exploração de novas oportunidades e “frugality” que propõe que as restrições geram desenvoltura e inventividade.
Estruturas organizacionais de inovação
Para incentivar a construção e o reforço dessa cultura, as empresas vêm adotando estruturas organizacionais e processos formais para a inovação, da ideação até a implementação, dentro (interfuncional) e fora (clientes, experts da indústria, parceiros etc.) da companhia. No geral, durante o processo de transformação, as companhias passam por inúmeras mudanças de estrutura organizacional que refletem, em cada momento, o seu nível de maturidade no processo.
Quando são avaliados os diferentes modelos de estrutura organizacional relacionados à inovação e transformação digital nas empresas, identifica-se que em modelos nos quais o ownership das decisões é mais descentralizado, a inovação é mais disruptiva e advém com mais frequência das áreas de negócio. Nesse sentido, o empoderamento das equipes permitido por esses novos modelos acelera a inovação dado que oferece autonomia para as pessoas criarem. Outro fator que auxilia nessa aceleração, são as estruturas mais enxutas desses modelos, nos quais a inovação e a transformação digital possuem atuação transversal junto às áreas de negócio e, portanto, essas empresas são mais abertas a mudanças e mais rápidas para inovar.
Além de mudanças na estrutura organizacional, empresas que desejam estimular a inovação também vêm criando espaços físicos de colaboração para cultivar a criatividade. Os laboratórios de inovação – ou hubs – podem ser espaços separados dentro da empresa ou estruturas apartadas, com mobiliário e decoração não convencionais e uso de tecnologias emergentes, como telas interativas. Esses laboratórios funcionam como ambientes seguros para a experimentação e a construção das próximas gerações de soluções e ofertas. De acordo com Deb Vries em artigo da IDEO¹, alguns critérios fundamentais para o sucesso desses hubs são: propósito claro alinhado ao negócio, portfólio de projetos arrojado capaz de ampliar os horizontes da estratégia da empresa, equipes criativas com múltiplas expertises, e espaços de trabalho capazes de desenvolver e sustentar uma cultura própria. Adicional a esses aspectos, artigo da HBR² complementa a necessidade de definição de métricas de acompanhamento como fator crítico de sucesso, pois apesar de, na maior parte das vezes, os projetos demorarem a trazer retorno financeiro, a inovação não pode ser sustentada sem indicadores de monitoramento que direcionem a liderança. Em função do estágio das iniciativas, os indicadores não podem ser os mesmos das linhas de negócio maduras, portanto, nas fases iniciais de testes de ideias podem ser utilizadas métricas tão simples quanto o número de usuários que enxergam valor na ideia, número de usuários que retornam após um primeiro teste, o quanto os usuários de teste indicariam aquela solução para outros potenciais usuários (NPS). Já em um aspecto mais amplo de organização, outras métricas e indicadores podem ser: pessoas dedicadas à inovação dentro da organização, pipeline de novas ideias, índice de sucesso dos MVPs (concluídos e aprovados), quantidade de produtos novos lançados, média de time to market e, por fim, acompanhamento de planejado e realizado tanto para a duração das etapas (desde a concepção até o lançamento) quanto para o aporte e retorno financeiro das soluções.
Inovação top down ou bottom up?
Ainda internamente, a inovação pode ser estimulada top down, ou seja, com direcionamentos claros e menos flexíveis advindos da liderança, como é o caso em que um time recebe um desafio específico, ou bottom up, quando a liderança opta por reforçar a colaboração e abre espaço para a proposição de ideias de forma a capturar o melhor de cada funcionário. Um exemplo prático do método bottom up é a criação de concursos de ideias, como pitches internos.
Apesar da suposição de que a metodologia top down restringiria os resultados de inovação, em alguns contextos entende-se que uma gestão centralizada e visionária é capaz de conferir um sentido claro de direção para a empresa, como é o caso de Steve Jobs com a Apple. No entanto, a verdade é que os métodos bottom up e top down geram maiores resultados quando trabalhados em equilíbrio, oferecendo diretrizes claras quando necessário e abertura para contribuições dentro de critérios estabelecidos.
Open innovation
Uma outra forma de incentivo à cultura de inovação que vem sendo amplamente adotada pelas empresas é a inovação aberta, ou open innovation. Esse conceito foi criado em 2003 por Henry Chesbrough e diz respeito a um modelo no qual a empresa está disposta a cocriar com terceiros, desde startups, universidades, clientes e até fornecedores e concorrentes, ativando todo o ecossistema para encontrar soluções inovadoras para seus desafios de negócio. Iniciativas de inovação aberta dizem respeito tanto à empresa absorver ideais e tecnologias de fora para melhoria de seus processos internos, quanto à empresa prover o mercado com soluções criadas internamente e pouco utilizadas, mas que se integram ao processo de inovação de parceiros. Nesse último caso, algumas vezes são criadas novas empresas para monetizar as soluções inovadoras, as chamadas spin-offs. Essas empresas vêm sendo criadas principalmente porque, além da geração de receitas com as inovações internas, elas proporcionam redução de riscos e um relacionamento facilitado com startups, reduzindo burocracias e os processos de aprovação das grandes empresas.
Esse relacionamento com startups é um dos principais pilares da abordagem de inovação aberta ‘de fora para dentro’. Algumas iniciativas nesse sentido são corporate ventures, programas de incubação e programas de aceleração. As empresas podem lançar os seus próprios programas, como a Shell, por exemplo, lançou o GameChanger há mais de 20 anos para investir e ajudar startups a trabalhar em tecnologias emergentes de energia limpa, ou estabelecer parcerias com incubadoras e aceleradoras independentes, como a Equinor fez com a Techstars, uma rede global de apoio a pequenos empreendedores. Independentemente do tipo de atuação, a companhia estabelece um ambiente colaborativo com suas investidas proporcionando mentoria e acesso a recursos e, por outro lado, além de lucrar com o sucesso das investidas, quando é o caso, a organização mantém-se à frente das tendências de mercado, renova e fortalece o poder de suas marcas, aprofunda laços com o mercado de startups e aumenta o engajamento dos funcionários acelerando a mudança de mentalidade e a disseminação da cultura de inovação, entre outros benefícios.
Outro tipo de iniciativa mais abrangente é o fomento a parcerias com universidades e instituições de pesquisa, como é o caso da parceria entre a Petrobras e a Coppe/UFRJ para apoio ao programa de aceleração de empreendedorismo do MIT (Massachusetts Institute of Technology), Regional Entrepreneurship Acceleration Program (REAP), que tem potencial de transformar o Rio de Janeiro em um polo mundial de inovação em energia e sustentabilidade. A empresa otimiza seus investimentos em P&D, ampliando a capacidade de inovação da cadeia de suprimentos por meio do fomento à integração de diferentes atores, que envolvem startups, universidades, corporações, governo e investidores de venture capital, acelerando o surgimento de startups, gerando empregos, desenvolvendo tecnologias e criando um ecossistema de inovação.
Existem também os programas de ideias com outros personagens do ecossistema, como clientes e fornecedores. Esses programas podem ter ações pontuais voltadas para um desafio específico ou fazer parte da política permanente de inovação da empresa e são capazes de gerar inovações de grande valor, pois ao abrir-se um canal para receber ideias externas, recebe-se um feedback direto de como seus produtos e serviços são percebidos pelos seus parceiros.
Inovação contínua
Em um mundo digitalizado, temos a oportunidade de ter um feedback em tempo real, o que permite e estimula a implantação de um sistema de inovação contínua no qual a velocidade de aprendizado é a vantagem competitiva. Isso significa que a cultura da experimentação é fundamental para aquelas empresas que querem continuamente buscar a inovação para lançar, ou se adaptar rapidamente a, tendências de mercado e isso se traduz em um processo contínuo de geração e testes de ideias, como afirmado por Jeff Bezos, CEO da Amazon, “Nosso sucesso na Amazon é uma função de quantos experimentos fazemos por ano, por mês, por semana, por dia”.
Dessa forma, o sistema de inovação contínua é orientado por ciclos rápidos de desenvolvimento desde a ideação até o lançamento para o mercado permitindo teste com usuários finais, refinamento e correções em tempos cada vez menores. As empresas que executam um processo de inovação contínua eficiente aprendem mais rápido e entregam o que os clientes realmente querem e precisam, mantendo-se relevantes e à frente da concorrência, além de evoluírem cada vez mais seu modelo de negócios.
Conclusões
Todos os exemplos de práticas que mencionamos até aqui demonstram como grande parte das empresas estão se organizando para se adaptar cada vez mais rapidamente às mudanças de contexto de mercado e como a inovação tem papel fundamental nesse objetivo. Como podemos ver, a inovação pode ser coordenada e acelerada com programas corporativos e mudanças organizacionais sendo imensamente potencializada pela mudança de mindset das pessoas e abertura para ideias de fora, pois é fato que uma única empresa dificilmente conseguirá contratar todas as melhores cabeças do mercado e é ativando o ecossistema que obtemos maior estímulo para a disrupção e agregação de valor.
Já estamos cansados de ver casos de empresas que não apostaram na inovação e fracassaram, como a Kodak e a Blockbuster, por exemplo. No mundo digital, as barreiras de entrada são baixas e dia após dia a concorrência aumenta, isso impulsiona a necessidade das empresas de se reinventarem diariamente. Para tanto, é necessário cultivar a curiosidade, estimular o questionamento do status quo, possibilitar que riscos e erros honestos sejam encarados como algo natural, democratizar a experimentação, fornecer autonomia e liberdade de atuação para as pessoas e dar abertura para ideias externas, tudo isso de forma organizada em programas, iniciativas e mudanças estruturais planejadas. Esses investimentos, quando bem executados, impactam em resultados financeiros, aumentando o volume de vendas, possibilitando o aumento de preços, reduzindo custos, aumentando margens, gerando novas receitas, além de impactar na imagem da marca, refletindo ainda no valor de mercado das companhias.
Cases de sucesso, como a Amazon, inspiram confirmando que a inovação traz sim performance financeira superior. A Amazon possui a inovação em seu DNA, está em 5º lugar no ranking de empresas mais inovadoras do mundo da Forbes (2018), é a 4ª marca mais valiosa, também segundo lista da Forbes (2020), além de estar na Fortune 500 Global 2020 com o nono maior faturamento. Outras empresas que também figuram em excelentes posições nesses mesmos rankings, como Facebook, Coca-Cola, L’Oréal e Alphabet (Google) reforçam ainda mais essa correlação. Inspire-se, adapte-se e transforme a empresa onde você trabalha implantando uma cultura de inovação que se arrisca, experimente, aprende rápido e gera valor real para o negócio.
Referências citadas
(1) Successful Innovation Labs Have These Four Things in Common (by Deb de Vries)
https://www.ideo.com/journal/successful-innovation-labs-have-these-four-things-in-common
(2) Why Innovation Labs Fail, and How to Ensure Yours Doesn’t (by Simone Bhan Ahuja)
https://hbr.org/2019/07/why-innovation-labs-fail-and-how-to-ensure-yours-doesnt