AUTORIA

Gabriel Riso

Renata Vencato

TRADUÇÃO

GERENTE RESPONSÁVEL

DIRETOR RESPONSÁVEL

Derick do Rosario

As Redes Neutras no Brasil

As redes neutras de banda larga (ou redes compartilhadas) impactarão fortemente a prestação de serviços de internet no Brasil, revolucionando a definição dos atores e do modo como os negócios são executados na indústria de telecomunicações. As mudanças abrangem não somente a conectividade dos clientes, mas também têm seu impacto fundamentado em temas ambientais, sociais e de governança corporativa.

Rede Compartilhada Não É Um Conceito Novo Em Telecom

Tratando-se de telecomunicações, o compartilhamento de ativos não é algo novo. Torres de telefonia, antenas e equipamentos de rádio são exemplos de bens físicos já comumente compartilhados entre as operadoras móveis, sendo este um modelo amplamente adotado no Brasil. Por ser uma indústria de CAPEX intensivo, exigindo grandes investimentos para operar o serviço e acarretando num payback longo, o compartilhamento de ativos se torna uma opção de benefício mútuo. Compartilhar, neste sentido, significa redução de custos e expansão eficiente de cobertura para as companhias que competem num país de grandeza territorial expressiva, onde ter capilaridade para atingir mercados de cidades distantes entre si se torna um desafio econômico.

Por razões análogas, considerando o binômio CAPEX e distância, tem-se o movimento do compartilhamento de ativos no mercado de banda larga fixa no país como tendência crescente. Algumas operadoras já se desvincularam de sua infraestrutura proprietária de rede de fibra ótica, criando empresas apartadas, os operadores neutros, e tornando sua rede utilizável por qualquer empresa provedora de internet que almeje oferecer seus serviços na geografia onde a rede está instalada.

Mais especificamente, o conceito de rede neutra pode significar o compartilhamento de todos os equipamentos de transmissão e distribuição dos dados de internet, da fonte até a casa do usuário. Além de toda a infraestrutura precedente de conexão da rede nacional com os cabos submarinos, a zona de atuação do operador neutro pode se estender até a conexão do modem do cliente ao terminal instalado no poste de sua rua.

A Transmissão de Dados com a Fibra Ótica

Quanto aos meios de transmissão dos dados, pode-se ter cabos coaxiais e de cobre, porém, o principal e mais relevante ativo compartilhado são as redes de fibra ótica. A fibra é o modelo mais interessante e atraente de ser negociado, pois entrega altas velocidades de download e upload, permitindo um alto tráfego de dados, essencial num momento em que a banda ultra larga (velocidades acima de 34MB/s) é cada vez mais é demandada. Por usarem a luz como meio transmissor de sinal (e não a eletricidade) a fibra se torna menos suscetível a interrupções no serviço e não sofrem com as interferências eletromagnéticas que afetam o desempenho dos cabos metálicos.

O Spin Off e o Modelo Asset Light no Brasil

O mercado de banda larga no Brasil exibe um cenário de demanda e competitividade crescentes. Segundo dados da Anatel, em abril de 2022, existiam cerca de 42 milhões de casas conectadas através de 7628 empresas. Apesar de estar em processo de consolidação, o mercado ainda é bastante pulverizado. Os acessos por fibra ótica, que representavam 36% dos acessos totais em abril de 2020, passaram a responder por 65% em apenas dois anos, indicando a tendência clara do negócio em termos de renovação de meio transmissor.

A Eficiência Operacional das Redes Neutras no Brasil

Neste contexto dinâmico, os players precisam buscar estratégias para aumentar sua eficiência operacional e financeira para se adaptarem às exigências do mercado, expandirem sua cobertura e oferecerem um serviço de internet fixa de qualidade a preço competitivo.

Grandes operadoras brasileiras como Oi, Vivo e TIM promoveram o spin off de sua infraestrutura de banda larga fixa, dando origem a empresas apartadas de rede neutra, as chamadas InfraCos (Infrastructure Company), que passaram a ser responsáveis por gerir e manter estes ativos. Ao adotar esta separação estrutural, as empresas passam a operar num modelo asset light e passam a ser denominadas ClientCo (Client company) focando exclusivamente na oferta de produtos e serviços e na experiência do cliente.

A partir da desvinculação, as operadoras deixam de ter parte significativa de seu capital imobilizado em ativos físicos, o que resulta em maior agilidade para atender às necessidades de um mercado que possui cada vez mais alterações rápidas, consistentes e pulverizadas de comportamento.

A Demanda por Redes de Fibra Ótica no Brasil

Outro fator importante por trás do movimento asset light das grandes operadoras é a forte demanda por redes de fibra, que exigem alto investimento, não só na expansão para novas cidades, como também na renovação da infraestrutura obsoleta nas cidades de atuação. É vantajoso para os big players fomentarem o modelo de rede neutra no cenário brasileiro, uma vez que a maior parte dos acessos por fibra ótica do país pertencem àqueles que a Anatel denomina PPP (Prestadores de Pequeno Porte) por possuem menos de 5% de market share. Ao longo dos anos, estes pequenos players implantaram redes de fibra proprietária na maioria das cidades médias e pequenas do país. Logo, seria extremamente arriscado para os big players injetarem altos montantes de dinheiro em projetos proprietários para expandir sua cobertura em áreas já “fibradas” e exploradas pelos PPP.

O Modelo Asset Light

Devido aos benefícios da rede neutra, a adoção do modelo asset light não deve se estabelecer somente nas grandes operadoras, iniciando sua penetração também na esfera dos provedores de menor porte. A Alloha fibra, do grupo EB Capital, foi o primeiro provedor brasileiro a manifestar publicamente o interesse em vender sua rede de fibra para se tornar uma companhia focada exclusivamente no serviço prestado ao cliente. Este fato que reforça a tendência ao uso de redes neutras no país como alternativa vantajosa para prestadores de serviço de internet e potencializa a influência sobre outros players da indústria para adotarem o mesmo caminho.

Como atuam as InfraCos

As InfraCo não precisam estar diretamente inseridas na indústria de telecomunicações para atuar, podendo ser provenientes de outros backgrounds. Empresas com linhas de negócio em data centers, construção e aluguel de torres (torreiras) e distribuição e transmissão de energia são exemplos possíveis de operadores neutros no mercado de banda larga. Basicamente, estes atores investem na compra e construção de rede para entrar no negócio e/ou crescer sua operação.

Quando as InfraCos surgem de um spin off de operadores e provedores de telecom – como é o caso de V.Tal, FiBrasil e I-Systems. Tais empresas neutras já nascem com os denominados clientes âncora, que são justamente as operadoras que as deram origem e que naturalmente têm a maior ocupação na rede e geram a maior parte da receita.

O operador neutro é responsável pela prestação de serviços de implantação, desenvolvimento, gerenciamento e manutenção de rede. A receita é originária de modelos de locação e arrendamento de equipamentos de rede. Portanto, as InfraCos não atendem o cliente final, atuam no modelo B2B alugando as portas da sua rede para os provedores, podendo ou não realizar o drop e instalação na casa do cliente. O aluguel é contabilizado por casa conectada.

Como objetivo estratégico, empresas neutras prezam pela rentabilização de seus ativos no esquema multitenant (multi inquilino), onde alugam sua rede para diferentes provedores que manifestem interesse em prestar serviços de internet naquela localidade geográfica. As InfraCos atuam neste contexto, portanto, como viabilizadores da conectividade.

Como a Rede Neutra Revoluciona o Jogo

O uso de redes neutras oferece um modelo de negócio win-win para os atores de negócio envolvidos. ClientCos diminuem seu risco financeiro ao trocar CAPEX intensivo por OPEX variável conforme o tamanho de sua base de clientes na rede e não ficam mais restritos apenas a geografia de sua cobertura proprietária. As InfraCos atingem altos níveis de utilização e economia de escala em sua infraestrutura tornando seu negócio rentável.

Aspecto Social e Ambiental das Redes Neutras

Como vimos, operadores neutros têm maior viabilidade econômica para potencializar a adição de capacidade de rede em áreas urbanas, onde a necessidade por internet é cada vez mais high density e high traffic. Isso ocorre devido à crescente demanda por conectividade e das novas tecnologias como casas e carros conectados, semáforos e poste de luz inteligentes, dentre outros. Paralelamente, acelera-se a expansão de cobertura de internet em zonas rurais e periféricas, incluindo áreas de baixa renda, aumentando a capilaridade da rede e democratizando a banda larga. Seja de maneira espontânea, por meio de regulação ou por incentivo governamental, o uso de redes neutras é uma alavanca importante para o fomento da inclusão digital no país.

Em termos ambientais, a busca por alta ocupação da rede promove o uso eficiente dos recursos materiais, diminuindo o custo de infraestrutura por usuário. O advento da rede neutra desestimula a construção de redes redundantes, como na situação em que duas ou mais redes proprietárias disputam clientes numa localidade e ficam com baixa ocupação por conta da diluição dos acessos entre as estruturas.

O operador neutro pode ainda remanejar a fibra e equipamentos de redes sobrepostas adquiridas para localidades de maior necessidade balanceando racionalmente capacidade e demanda. Como uma InfraCo é uma empresa de expertise apurada em estruturas de rede, seus processos de planejamento tendem a ser mais bem elaborados e a disseminação de boas práticas é mais fluida quando comparados ao cenário onde cada provedor constrói sua própria rede. Sem contar que o acúmulo de redes proprietárias no mesmo local gera emaranhados nos postes, causando poluição visual e dificuldades na manutenção.

A Experiência do Cliente com as Redes Neutras

Ao homogeneizar a infraestrutura, a rede neutra faz com que a diferenciação na percepção do cliente seja mais evidenciada na qualidade do serviço prestado, desde o marketing ao suporte pós-venda. O valor do negócio dos provedores será ponderado fortemente conforme a satisfação de sua base de clientes geradora de receita, diminuindo gradativamente a importância atrelada aos seus ativos físicos. Consequentemente, eleva-se consideravelmente a relevância das ações de CX (Customer Experience) para o sucesso da empresa prestadora de serviço. Isto resulta numa maior exigência do mercado por atendimento omnicanal simples e rápido, integração de tecnologias de pagamento facilitado e empoderamento do cliente através da robustez no autosserviço digital.

Redes Neutras e o Foco no Portfólio

As ClientCos também devem intensificar ações de portfólio como forma de se diferenciar dos concorrentes. Além de planos mais flexíveis e sob medida, a variedade e personalização de SVAs (Serviços de Valor Agregado) assumirão cada vez mais o protagonismo nas ofertas. Cabe destacar a demanda consolidada pelos serviços OTT (Over the Top) de streaming de vídeo e música que consomem dados e são contratados direto do fornecedor. Também assumem papel de relevância nas ofertas bundle os SVAs de nicho, ligados a tipos específicos de personas, como os das classes gamers, esporte e infantil.

O catálogo de serviços tende ainda a ser desenvolvido conforme o avanço tecnológico e quantidade crescente de aparelhos conectados. A exigência por antivírus robusto para proteção da rede do usuário deve ganhar enfoque numa vida cada vez mais digital e sujeita a cyber ataques. Ofertas de serviços mais elaborados de IoT (Internet of Things) como: assistentes inteligentes (Google e Alexa); pacotes de segurança patrimonial que conecte câmeras, alarmes e fechaduras eletrônicas; e dispositivos de casa conectada, em geral, podem ser a nova fronteira de negócio a ser ultrapassada para o desenvolvimento de know-how e atuação dos provedores de internet.

Maior Competição e Mais Opções Para o Cliente com Redes Neutras

Como possuir a infraestrutura como requisito para operar no mercado de banda larga não é mais necessário, derruba-se uma barreira significativa: a necessidade de alto capital inicial. Assim, fomenta-se naturalmente a entrada novas ClienteCos no mercado, algumas delas utilizando apenas redes compartilhadas e operando de maneira digital, como no caso da Obvious Fibra que iniciou suas operações no Espírito Santo utilizando a rede da V.Tal.

O fenômeno tem abrangido também empresas consolidadas em linhas de negócio correlatas, como a SKY – amplamente conhecida no mercado de TV por assinatura e já atuante na banda larga móvel 4G –  que passam a manifestar interesse em ampliar seu portfólio de produtos adicionando o serviço de banda larga fixa facilitado pelos operadores neutros. Como resultante, a disposição de maior número de opções de empresas fomenta a competição e a qualidade no serviço para o cliente.

Desafios Na Implementação e Uso da Rede Neutra no Brasil

Como todo negócio, a implementação de redes neutras possui seus desafios. Talvez o mais significante seja o de garantir a isonomia no aluguel de portas para os diferentes provedores. Mais especificamente, a questão é elucidada quando da existência de interesse de exploração da rede pelo cliente âncora versus outros provedores. Deve-se trabalhar para atestar o princípio da não-discriminação, ou melhor, do não favorecimento do cliente âncora, que no passado fora proprietário da rede, agora neutra.

As grandes operadoras brasileiras que efetuaram o spin off de sua rede adotaram uma espécie de política “chinese wall” entre ClientCo e InfraCo, que consiste em assegurar ao mercado o isolamento estrutural total das empresas. Separam-se as entidades desde a governança estratégica como visão, valores e marca até artefatos operacionais como locações, sistemas e pessoal. Desta forma, espera-se que o operador neutro aja por princípios próprios sem interferência de vieses externos.

Obstáculos de Uso com as Redes Neutras

Também há obstáculos a serem superados no campo da tecnologia de informação, as InfraCos terão de ter avançado serviço de APIs para integrar dados da rede necessários aos diferentes sistemas de ERP e CRM das ClientCos para as quais alugar portas. Dados como: quantidade de portas por região; velocidade disponível; diagnóstico de rede; dentre outros, devem ser transmitidos em tempo real. Neste contexto, observamos uma tendência de padronização em sistemas e métodos de integração conforme boas práticas de TI se consolidando.

Por último, para expandir a infraestrutura, em algum momento as InfraCos poderão ter que absorver ativos dos provedores de menor porte do pulverizado mercado brasileiro. Estas empresas podem ter práticas rudimentares de inventario de rede e não possuir controle e gestão apurados sobre este, aumentando substancialmente a complexidade e risco na operação.

O Impacto das Redes Neutras

Indubitavelmente, o impacto em curso gerado pela adoção de redes neutras estabelece alterações fundamentais que aperfeiçoam o conhecimento dos executivos e transcendem os limites de possibilidade de negócio anteriormente considerado para o mercado de banda larga fixa no Brasil. Por não ser algo totalmente incipiente, o modelo ganha momentum, sem resistência excessiva ao avanço de sua implementação.

A revolução dos atores de negócio, dos novos modos de acesso e contratação de internet é a resposta condicionada da indústria para aprimorar estruturalmente a cadeia e entregar um serviço de melhor qualidade na ponta. Para além do consumidor, do empregado e do acionista, as redes neutras dão um importante passo para a indústria de telecomunicações se posicionar mais firmemente na stakeholder economy, fomentando a união do interesse econômico com propósitos ambientais, sociais e governamentais.

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