AUTORIA

Murilo Maciel, Bernardo Caldeira e Rubem Gama

TRADUÇÃO

GERENTE RESPONSÁVEL

DIRETOR RESPONSÁVEL

O avanço da COVID-19, causada pelo Coronavírus, têm trazido consequências sociais e econômicas globais. Diversos governos ao redor do mundo, como forma de conter o avanço da pandemia, determinaram inúmeras medidas restritivas. Entre elas, o isolamento social, o fechamento das fronteiras e controles quanto à locomoção.

Isto, por sua vez, impactou de forma drástica o comportamento dos consumidores, resultando na diminuição das atividades econômicas no nível global e, consequentemente, na redução da demanda por produtos derivados de petróleo, utilizados, principalmente, no setor de transporte. Este segmento representa mais de 50% do consumo mundial de petróleo, segundo dados do World Oil Outlook 2019.

Vale ressaltar ainda que, hoje, cerca de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo estão sob alguma forma de bloqueio por conta da pandemia. Portanto, projeta-se que a demanda mundial por óleo diminuirá 6,85 milhões de barris por dia.

Porém, além do colapso dos preços e da queda da demanda mundial de petróleo, em janeiro de 2020, os grandes produtores, Rússia e Arábia Saudita, iniciaram uma guerra comercial violando o acordo que os países da Opep+ – grupo no qual a Arábia faz parte – e a Rússia possuíam para o controle da produção mundial de petróleo e, consequentemente, do seu preço.

A Arábia Saudita e a Rússia não chegaram a um acordo, em virtude do desejo russo de aumentar a sua produção. Contudo, a Arábia Saudita, ao perceber esse movimento estratégico de quebra do oligopólio, decidiu aumentar substancialmente a sua produção, atingindo a marca de 10 milhões de barris por dia. Além disso, o país ofereceu também descontos no preço para consumidores americanos e europeus com o intuito de conquistar esses mercados.

Com o aumento do ritmo de produção de ambos os países – Arábia Saudita e Rússia -, houve um choque no mercado. Nesse cenário, a maior parte dos produtores norte-americanos de shale oil, principais produtores mundiais, não puderam reduzir sua produção, pois possuem um nível de endividamento elevado e o preço já estava em queda. Isso, consequentemente, agravou a crise de oferta no mercado dos EUA.

Portanto, essas mudanças fizeram a produção global alcançar, no mês de março de 2020, cerca de 99 milhões de barris por dia, num momento em que a demanda estava reduzida.

Impactos das crises de demanda e oferta

Diante desse choque duplo de demanda e oferta, espera-se um aumento significativo no estoque global de petróleo nos dois primeiros trimestres de 2020, com previsão de alcançar o volume de 11,37 milhões de barris por dia, segundo dados do EIA (Energy Information Administration).

No entanto, o IEA (International Energy Agency), em seu relatório Oil Market Report – April 2020, estima que a capacidade disponível possa ficar saturada no meio do ano. Além disso, segundo os dados, existem gargalos em outras partes da cadeia logística, como a concorrência para comprar espaço nos sistemas de oleodutos, os quais alguns estão sendo utilizados para armazenar petróleo.

Ademais, o armazenamento flutuante está se tornando mais caro na medida em que os comerciantes competem por navios. Os custos de fretamento para transportadoras de petróleo mais que dobraram desde fevereiro. Além disso, há outros problemas. Um deles é que, para se manter a qualidade do petróleo, é necessário segregar diferentes tipos de petróleo (leve e pesado), aumentando a necessidade de espaços para estocagem, a além que em virtude do tempo de armazenamento produtos como gasolina e querosene sofrem degradação. A indústria jamais chegou tão perto de testar sua capacidade logística até o limite.

Além disso, nesse cenário de baixa demanda e oferta elevada, ocorreu um fato inusitado nos contratos futuros do petróleo WTI (West Texas Intermediate) com vencimento em maio de 2020, em razão desse tipo de contrato exigir a entrega dos volumes físicos de petróleo bruto por meio de tubulação ou instalação de armazenamento em Cushing, Oklahoma.

Segundo o EIA, embora as instalações de armazenamento de petróleo bruto em Cushing tenham 76 milhões de barris de capacidade de armazenamento operacional – dos quais 60 milhões estavam preenchidos e boa parte da capacidade restante estava comprometida através de contratos de aluguel para futuras cargas -, o que sobrou da capacidade de armazenamento ficou tão cara que o negócio perdeu sua viabilidade, resultando, assim, no crash demonstrado no gráfico abaixo:

Seguindo o mesmo caminho, o petróleo tipo brent, referência internacional para preço no mercado brasileiro, também passa por dificuldades apresentando queda no ano de 2020 superior a 60%:

Além disso, com a situação de preços descrita, as grandes empresas de petróleo começaram a revisar os seus investimentos com a postergação de novos projetos e priorizando o vigor econômico. Veja abaixo:

Esse movimento estratégico repercute em toda a cadeia de suprimentos, sendo visível por um dos principais indicadores que é o número de sondas ativas no mercado, que sofreu uma redução de cerca de 26% no ano de 2020, como mostrado abaixo na tabela:

Situação do Brasil na crise

No Brasil, o país estava saindo de um padrão de baixo crescimento no segundo semestre de 2019 através das reformas econômicas, que deveriam elevar a economia a um crescimento em 2020. Contudo, com a crise de demanda gerada pela COVID-19, houve uma queda expressiva no consumo interno de derivados de petróleo. Segundo a ANP, no mês de março de 2020, houve uma queda no consumo de gasolina de 13,34% em relação ao mesmo período do ano passado.

Além da diminuição na demanda, o mercado de petróleo também sofre pela alta do dólar, que neste ano superou a casa dos 5 reais, alcançando seu pico em 27 abril no valor de R$ 5,7253. O problema com a cotação do dólar ocorre em razão de grande parte dos insumos se originarem de importações e do fato da Petrobras – principal empresa do mercado – possuir sua dívida constituída na moeda americana.

Por conta desse cenário de queda do preço do petróleo, a Petrobras irá realizar cortes de custos, diminuição da jornada dos funcionários de 8 para 6 horas e adiamento dos investimentos, reduzindo, assim, a previsão para o ano de 2020 de 12 bilhões de dólares para 8,5.

Possíveis cenários de retomada no pós COVID-19

Pensando em possíveis cenários para o pós-crise, o EIA prevê uma retomada gradual no consumo mundial de petróleo a partir do terceiro trimestre de 2020, conforme o gráfico abaixo:

Na tentativa de conter a queda dos preços, os produtores de petróleo do grupo da OPEP concordaram em reduzir a produção em 9,7 milhões de barris por dia, a partir do dia 1º de maio. Além das medidas anunciadas pela OPEP, existem outras sendo realizadas pelos países do G20.

Dentro dessas iniciativas, China, Índia, Coreia do Sul e Estados Unidos estão oferecendo sua capacidade de armazenamento estratégico à indústria para estacionar temporariamente barris indesejados. Os quatro países, com essa ação, vislumbram a possibilidade de aumentar seus estoques estratégicos para aproveitar os preços mais baixos.

O aumento do consumo e diminuição da oferta, juntos, aliviarão a pressão sobre o preço. Sendo assim, o petróleo tipo Brent chegará ao patamar de 45 dólares e o tipo WTI de 41 dólares em 2021, segundo informações do EIA.

No caso do Brasil, destaca-se que, segundo projeção do relatório focus do Banco central, a previsão do dólar é se estabilizar na casa dos 5 reais, no valor de R$5,20, para o ano de 2021. Ademais, com a retoma da economia chinesa, o mercado de petróleo brasileiro se beneficia, em virtude do Brasil ser a 4ª nação em volume de petróleo importado pela China. Isso corresponde a 9% do volume total importado (10,5 mb/d).

O “Novo normal” no mercado de petróleo

Portanto, fica cada vez mais claro para o mercado que, apesar da recuperação dos preços, os patamares não serão retomados como antes das crises. Além disso, o acordo entre os produtores de petróleo do grupo da OPEP foi construído a partir de uma crise de demanda que acarretou um problema de falta de estoque pelo mundo.

Entretanto, existe uma grande probabilidade da lógica de controle de produção chegar ao fim em razão da popular teoria “peak oil” – a qual previa um esgotamento rápido das reservas de petróleo – não estar se confirmando. Atualmente, o que se percebe é que, com advento das novas tecnologias, ocorre o inverso. As reservas de petróleo estão crescendo e a demanda a longo prazo tende a diminuir. Isso acontece em virtude de legislações mais rigorosas sobre a queima de combustíveis fósseis e do barateamento das energias alternativas.

Sendo assim, grandes produtores como Arábia Saudita e Rússia decidiram abandonar a lógica de controle da produção e mudar a sua atuação. Os países passaram a procurar uma participação maior no mercado através de um menor preço com o objetivo de alcançar novos segmentos como os atendidos pelo shale oil americano.

Essa prática, adotada por russos e árabes, só é possível devido ao fato de possuírem custos de produção muito abaixo da média do mercado. Para fins de comparação, a empresa Saudi Aramco (estatal árabe) possui um custo de extração por BOE (Barrel of Oil Equivalent) de $2,80 e as russas Rosneft PJSC, Gazprom Neft e Lukoil PJSC possuem um custo de aproximadamente $4,00, enquanto a Petrobras possui um custo de $9,60.

Mudanças no comportamento humano

Porém, além dos impactos vistos nos mercados, constata-se que haverá também mudanças no comportamento da população. Isto, por sua vez, irá repercutir em diversos segmentos, inclusive no de petróleo.

Um dos novos comportamentos humanos que veremos no pós-crise é a insegurança causada pela imprevisibilidade do cenário. Essa desconfiança deverá impactar o consumo de algumas categorias, forçando as pessoas a buscarem um comportamento de maior austeridade nos gastos e análise profunda quanto aos investimentos mais críticos para o futuro.

A Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores), por exemplo, registrou uma queda no número de emplacamentos de automóveis de 79,11% entre os meses de março de 2020 e março de 2019.

Outra característica será uma população cada vez mais conectada. Haverá um aumento do tempo e da frequência de uso de meios digitais para realizar atividades que antes eram analógicas como é o caso da ampliação do número de empresas que possibilitam que seus funcionários trabalhem remotamente, aumentando o número de pessoas trabalhando em suas residências. Um dos impactos percebidos, especificamente no mercado de petróleo, foi um aumento expressivo na venda de gás de cozinha (GLP – Gás Liquefeito de Petróleo), sendo que o volume comercializado de GLP P-13 em março de 2020 foi de 872,8 mil m³, configurando um aumento de 14,56% em relação a março de 2019

Em resumo, as companhias precisam criar resiliência e evoluir para que possam sobreviver neste novo contexto. Para tal, destacamos algumas soluções:

Conclusão

Nesse novo cenário, onde as incertezas no mercado são maiores a cada dia, a necessidade de se ter a capacidade de rápida adaptação à mudança se torna vital para as empresas.

Além disso, ressalta-se que a nova lógica do mercado, na qual não haverá um controle na produção, exigirá das companhias projetos com uma maior resiliência financeira e volatilidade do mercado. Portanto, essas alterações destacadas acarretarão uma reformulação em escala global em toda a cadeia de petróleo. Sendo assim, se as empresas não estiverem preparadas, não sobreviverão ao “novo normal” do mercado.

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