AUTORIA

Rodrigo Leão e Victor Lucca

TRADUÇÃO

GERENTE RESPONSÁVEL

DIRETOR RESPONSÁVEL

Murilo Maciel

Nas últimas semanas, o mercado acionário presenciou o crescimento do preço de várias fontes energéticas, como petróleo, gás natural e carvão que atingiram seus valores mais altos desde o início da pandemia. Esses eventos materializaram o agravamento da crise energética global, com efeito direto nas principais economias do mundo, em especial na Europa e na China.

Embora fatores como a retomada da demanda global, em resposta à vacinação contra a Covid-19, e os choques de oferta tivessem sido determinantes na elevação expressiva destes preços, outros fatores contribuíram para elevar o risco de abastecimento energético, principalmente nas duas regiões.

A crise energética na Europa e na China são apenas dois exemplos de como, em períodos de fortes desestabilizações no mercado de energia, as grandes potências podem impactar a indústria global e exigir uma reavaliação das estratégias energéticas e econômicas de várias regiões.

 

Crise energética na Europa

No final do primeiro semestre de 2021, o consumo de gás natural liquefeito (GNL) cresceu 16% em relação ao mesmo período do ano passado, sendo que 30% desse aumento veio da Alemanha e 25% do Noroeste europeu. Por um lado, a demanda, que tem sido impulsionada pelo aumento da vacinação contra a Covid-19, deve aumentar ainda mais com a chegada do inverno no hemisfério norte. Por outro lado, a capacidade da oferta não tem sido suficiente para atender à essa demanda crescente, gerando diversos choques de oferta.

Entre esses choques, um dos mais importantes trata do atraso do fornecimento do gás russo para a Europa. A fim de pressionar o uso do recém-construído Nord Stream 2, os especialistas acreditam que o governo russo tem se aproveitado das dificuldades de abastecimento para postergar as vendas de gás para a Europa Ocidental. Não custa lembrar que o gás russo representa quase 40% de toda a importação feita por gasodutos pela Europa.

Um outro choque de oferta está relacionado à estratégia europeia de tornar sua matriz energética cada vez mais limpa, reduzindo o uso de energias fósseis. Uma das formas de atingir esse objetivo é por meio do aumento dos preços do carbono na Europa. Esse mecanismo tem encarecido o valor da energia fóssil em vários países e, em alguns deles, tornando o preço de aquisição proibitivo. “O Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia, que é o maior programa de comércio de carbono do mundo, cobra aos emissores por cada tonelada métrica de dióxido de carbono que emitem. Os preços recorde do carbono tornaram as fontes de produção de energia altamente poluentes ainda menos atrativas porque o carvão, por exemplo, emite mais dióxido de carbono quando é queimado”, relatou o jornalista da CNBC, Sam Meredith.

Ainda em algumas localidades na Europa, como no Reino Unido, a falta de vento tem reduzido significativamente a produção de energia eólica, ironicamente contribuindo para uma tempestade perfeita, em termos de choque de oferta.

 

Crise energética na China

Na China, as importações de GNL cresceram 27% entre o primeiro trimestre de 2020 e o mesmo período de 2021, o que sinaliza uma rápida recuperação do consumo. Isso ocorre ao mesmo tempo em que há grandes pressões para reduzir a intensidade energética do país. Ou seja, há uma busca do governo chinês para que essa demanda incremental seja atendida por outras fontes que não o carvão.

Como noticiou o jornal Valor Econômico, a partir de uma publicação Nikkei Asia, o presidente do país asiático “prometeu que as emissões de carbono da China atingirão o pico antes de 2030 e que o país alcançará a neutralidade de carbono em 2060. Isso implica em uma grande mudança em um país onde mais da metade de toda a energia é gerada a partir do carvão — e as autoridades estão levando as metas ambientais a sério. Em agosto, o principal órgão de planejamento econômico da China, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (NDRC, na sigla em inglês), questionou as províncias — entre elas Jiangsu, Guangdong e Hubei, importantes centros industriais — por não cumprirem as metas de intensidade energética para o primeiro semestre de 2021. Posteriormente, as autoridades locais enviaram avisos às empresas exigindo que cortassem o consumo de energia”.

O crescimento das restrições para o acesso do carvão associado ao aumento do preço da matéria-prima tem gerado escassez no abastecimento energético local. Isso porque, como o preço vendido na China é regulado, os produtores de energia não conseguem repassar integralmente o encarecimento da matéria-prima para os consumidores. Por isso, há um forte desincentivo a produção de energia por muitas usinas no país. “Como os preços da energia são regulados, as usinas perderiam mais de 0,15 yuans por quilowatt-hora de energia gerada com os preços atuais dos combustíveis”, diz a mesma matéria do Valor.

No entanto, a situação da China pode ser considerada menos dramática porque o país tem contratos de fornecimento de GNL de diferentes países, como Austrália e Qatar, conta com as exportações do gás russo e possui amplas reservas de carvão. Adicionalmente, a China tem uma forte coordenação da indústria de energia por meio de suas estatais, o que facilita o encaminhamento de soluções, junto com a iniciativa privada, para o aumento da oferta de energia.

Apesar disso, até o presente momento, o governo chinês têm optado por reduzir a produção de parte da sua indústria – aquela considerada mais poluidora – visando, ao mesmo tempo, elevar a eficiência energética e diminuir uso de fontes fósseis.

 

Crise energética no Brasil

Essa estratégia do governo chinês deve impactar inúmeras cadeias produtivas globais. No caso do Brasil, a queda da produção industrial chinesa deve diminuir as exportações de commodities. “(…) menos crescimento da China (…) pode significar queda tanto nos volumes comprados por ela, quanto no preço dos produtos que ela compra – notoriamente as commodities, que são produtos básicos negociados em bolsas internacionais como minério de ferro, petróleo e grãos. Como o Brasil é um dos principais exportadores de muitas delas, e a China sua principal compradora, principalmente no minério de ferro, a economia brasileira também pode acabar perdendo nesta frente com os cortes de energia chineses”, afirma a jornalista Juliana Elias da CNN Brasil.

Embora não tenha a mesma importância da China para o mercado de exportações, a extensão da crise na Europa também pode impactar negativamente alguns setores do agrobusiness brasileiro.

 

Descarbonização e a incerteza energética global

Além dos efeitos para o comércio internacional, as crises na Europa e na China levantam preocupações acerca do processo de transição para uma economia de baixo carbono. Atualmente, o debate sobre a trajetória para a economia “idealmente limpa” inclui a precificação dos “riscos de transição”. Ou seja, mudanças abruptas nos parâmetros da transição energética podem elevar o risco (de mercado, reputacional e relacionados a tecnologia) para diversos investimentos que têm sido realizados por fundos financeiros globais.

O compromisso com a “descarbonização”, seja como fruto do alinhamento moral das empresas ou mesmo pela pressão de governos, ambientalistas e acionistas ativistas, causa reavaliação nas alocações de capital e em muitos projetos, que levam anos para dar retorno. Esse cenário eleva a situação de incerteza, causando desequilíbrios de oferta de energia, escassez e preços altos, de forma generalizada. “Sou totalmente favorável à ‘energia verde’, mas sou realista. Você tem de construir a ‘energia verde’ primeiro antes de desligar a economia de carbono” disse Harris Kupperman, fundador do Praetorian Capital, um hedge fund.

Por isso, o desafio da transição para a economia global de baixo carbono não será um processo monotônico, ordenado, ou sem atritos no mercado (e seus respectivos efeitos socioeconômicos). As mudanças no paradigma produtivo originário da Revolução Industrial surgem, não só a partir de pressões regulatórias, mas também a partir de pressões da própria sociedade. No entanto, a velocidade das inovações de tecnologias disruptivas que irão resolver os problemas não tem acompanhado tais anseios. Adicionalmente, apesar dos governos e organizações estarem institucionalmente comprometidos em implementar rigor nas suas medidas regulatórias, parece haver pouca clareza na coordenação destas medidas com as parcelas produtivas do mercado. Pode se estimar, e até mesmo torcer, que haja um caráter de destruição criativa shumpeteriana por trás das mudanças do paradigma da demanda, e que sairemos mais eficientes e justos ao final da nossa incerta jornada pela sustentabilidade. Porém, precisamos entender quais os custos de curto prazo relacionados aos riscos de transição estamos expostos, e quanto destes estamos dispostos a incorrer como sociedade. E sobre esse ponto, nos resta perguntar: Será que subestimamos o esforço para alcançar uma economia global de baixo carbono?

A transição energética é um tema central para se endereçar os desafios atuais da humanidade. Por isso, a Bip estruturou um grupo de excelência para suportar nossos clientes no movimento ESG, abordando as estratégias para a transição energética, e outros temas relacionados. Queremos apoiar as empresas na estratégia e estruturação de sua jornada ESG, com scouting de soluções que garantam o impacto positivo nos âmbitos social, ambiental e climático, na avaliação dos riscos e oportunidades associados à temática, com pesquisas de mercado sobre novas soluções, tendências, regulamentações e advisoring técnico nos mais diversos temas.

 


Sobre os autores:

Rodrigo Leão é Especialista em Transição Energética na BIP e Doutorando em Economia Política Internacional pela UFRJ.

Victor Lucca é Consultor de Negócios na BIP e Mestre em Macroeconomia e Finanças pela PUC-RIO.

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