AUTORIA

Filipe Toledo e Nilson Inácio Junior

TRADUÇÃO

GERENTE RESPONSÁVEL

DIRETOR RESPONSÁVEL

O distanciamento social, a higienização, o trabalho remoto e o fechamento do comércio em razão da pandemia da Covid-19 vêm transformando a vida de bilhões de pessoas. Essas ações de controle realizadas por governos do mundo inteiro têm ocasionado diversas mudanças nos hábitos globais da população, e contribuído para o crescimento do e-commerce nos últimos meses.

E não só as medidas de proteção realizadas pelo governo têm crescido, como também tem ocorrido uma progressão no nível de consciência da população sobre a pandemia. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos com 10.000 respondentes, notou-se uma grande evolução do nível preocupação da população quanto ao Coronavírus, principalmente em países europeus e nos Estados Unidos.

Então, diante dessa maior conscientização das pessoas de que não se deve sair de casa, o consumo on-line começou a tornar-se um hábito mais relevante mundo afora: 61% das pessoas compraram a mais na China, 26% na Alemanha, 34% no Reino Unido, e 43% nos Estados Unidos. Nesse sentido, surgem perguntas ainda sem respostas: Haverá algum legado positivo para o e-commerce? No Brasil, a curva de digitalização poderá de fato ser acelerada? Quais empresas serão fortalecidas ou prejudicadas?

Isolamento social gera impacto no varejo físico e online

O setor varejista tem percebido que parte dessas mudanças no comportamento do consumidor permanecerão a médio prazo. O varejo físico, por exemplo, já vem notando as consequências negativas da pandemia.

De acordo com estudo de impacto do Covid-19 no varejo europeu realizado pela Zencargo e publicado pela NY times, entre os dias 9 de Março e 21 de Abril de 2020, a estimativa de perda foi de cerca de 3,3 bilhões de libras, sendo os  principais mercados afetados: Alemanha (£ 728 milhões), França (£ 728 milhões) e Reino Unido (£ 728 milhões).

Nessa direção, um levantamento da Nielsen apontou como a pandemia deve interferir nos hábitos dos consumidores de acordo com as diferentes fases da contaminação. De acordo com o estudo, um desses comportamentos é a migração da compra offline para online durante o período de distanciamento social.

Consequentemente, as receitas online têm crescido exponencialmente em mercados maduros não só da Europa e da América do Norte, como também no resto do mundo. A expectativa é que haja um aumento do consumo do varejo online em diversos países, comparado ao ano de 2019, segundo dados da plataforma Covid-19 e-commerce insight, criada pela Emarsys com a GoodData.

E esse efeito pode crescer ainda mais nos próximos meses globalmente. De acordo com uma pesquisa do Instituto Ipsos realizada com 10.000 respondentes, foi possível notar que, principalmente na Itália, devido à proporção do impacto e ao período de impacto da pandemia, houve um aumento considerável na frequência de compra de alimentos online. Em outros países, provavelmente devido ao período de quarentena imposto por cada governo, esse efeito ainda não foi notado.

Entretanto, nessa mesma pesquisa, nota-se que há uma expectativa de migração para o consumo on-line também nos demais países, além da China e da Itália.

Em relação a esse crescimento do consumo via internet, o varejo alimentício é o segmento que mais tem obtido evolução do tráfego em conversão (aumento em 189% no tráfego e 80% em transações em relação à março, comparado aos meses anteriores), seguido pelos setores de mídia, tecnologia de varejo, telecomunicações, banco/seguro, cosméticos, entre outros, segundo o estudo The COVID-19 eCommerce Impact Hub, da Content Square, com 1.400 sites. Outros segmentos como eletrônicos, móveis e esportes, apesar de não apresentarem evolução de tráfego, estão evoluindo as transações com a base de consumidores recorrente.

Lições aprendidas nas operações de e-commerce chinês

Entretanto, apesar da aceleração dessa migração, as empresas com operação online precisarão suprir os desafios operacionais de forma ágil. Um exemplo foi como o mercado chinês reagiu. De acordo com a pesquisa da Dentsu Aegis Network, a principal ação dos profissionais de marketing chineses foi a migração dos investimentos dos canais offline para o online (14% reduziram o off-line e 10% aumentaram investimentos no on-line), seguido por adaptação dos criativos (11%) e dos mercados-alvo (11%).

Clique na imagem abaixo para visualizá-la em tamanho maior:

Em relação à logística de entrega, 80% dos pedidos da plataforma Meituan Dianping feitos entre 26 de Janeiro e 8 de Fevereiro solicitaram um serviço de entrega contactless. No epicentro do vírus, em Wuhan, esses pedidos chegaram a 95,1%. A Meituan tem mais de 5,9 milhões de varejistas operando em suas plataformas digitais e 700 mil entregas diárias. Entre todas entregas, 10% delas foram realizadas em cidades diferentes dos endereços de entrega, ou seja, realizados à uma longa distância para outros amigos ou familiares. Os principais itens solicitados foram máscaras, esterilizantes, vegetais, carne e frutas, respectivamente.’

O fato é que a excelência no nível de operação dos chineses permitiu abastecer a população com frutas, vegetais e carnes frescas durante a Covid-19. Vendas online em redes de supermercados cresceram surpreendentemente durante o período da quarentena. A rede JD.com, por exemplo, teve um aumento de vendas de 215%, atingindo 15.000 toneladas durante um período de 10 dias entre Janeiro e Fevereiro desse ano. As entregas de vegetais da operação online do Carrefour também aumentaram em 600%.

Logo, o que a China mostra para o mundo diante da pandemia é que, apesar de ser um mercado maduro em termos de digitalização, ainda há espaço suficiente para a migração dos canais off para o online, e as empresas entendem e sabem a importância de aumentar os investimentos no desenvolvimento de canais digitais. Além disso, as organizações chinesas estão constantemente preparadas para serem ágeis no momento que precisarem responder aos desafios operacionais.

 

Movimento do e-commerce no mercado brasileiro durante o Coronavírus

No Brasil, a chegada da pandemia trouxe maior pessimismo ao trabalhador brasileiro. Segundo pesquisa do Datafolha, dos brasileiros que recebem até dois salários mínimos, 61% acreditam que sua renda mensal irá diminuir durante o período. Já para os trabalhadores que recebem mais de dez salários mínimos, esta expectativa cai para 49%. Porém, ainda é um número relevante.

Mas assim como na China e no resto do mundo, no Brasil, o isolamento e os impactos no varejo têm ido na mesma direção. De acordo com estudo da Cielo, no período de quarentena entre a última semana de março e a primeira de abril, houve uma redução 22,6% das vendas físicas comparado com o mesmo período no ano anterior.

Os segmentos com maior perda foram serviço (54%) e bens duráveis (45,5%).  Em contrapartida, as vendas online em território brasileiro apresentaram um aumento nos pedidos de 30 a 40% em relação à 2019, segundo entidades do setor.

Aos poucos, os efeitos no e-commerce brasileiro começam a ser sentidos positivamente. Em relação ao comportamento do consumidor, segundo pesquisa da Mindminers, os brasileiros também estão cada vez mais dispostos a evitar pagamento em dinheiro, realizar mais compras online e utilizar mais serviços de delivery.

Dos produtos que estão sendo consumidos, os itens de saúde foram os que apresentaram maior crescimento, resultando em 124%. Outros produtos que apresentaram aumento nas vendas foram os itens alimentícios, os serviços streamings, como Netflix, e os games, incluindo consoles e jogos avulsos.

Portanto, o e-commerce coloca à prova a estratégia comercial e a solidez da operação dos players e das lojas virtuais. Os Pure Players, como é o caso da B2W (empresa que já nasceu online), poderão ser beneficiados nesse contexto. A empresa provavelmente terá maior disponibilidade de produtos, frete com bom custo benefício e vantagens em relação ao fluxo de caixa no período de distanciamento social.

Em contrapartida, os grandes varejistas terão como desafio reduzir os impactos das lojas físicas através dos canais digitais. E é neste momento que a estratégia e a implantação do omnichannel serão testadas. Nesse cenário, a Magazine Luiza se destaca devido ao seu direcionamento nos últimos anos, com forte investimento em iniciativas omnichannel e na adoção da cultura de gestão de produtos digitais.

Quanto às plataformas de delivery, essas poderão aproveitar a curva forçada de adoção de consumidores com iniciativas que propiciem maior conversão. A Rappi, por exemplo, ampliou rapidamente as opções de cartões de bandeiras como o vale refeição entre as formas pagamento para alcançar beneficiários destes cartões que estão de home office. Já o iFood, implantou um modelo de menor contato físico na entrega, beneficiando a imagem da marca. Entretanto, o grande desafio dessas empresas será manter a experiência do consumidor end-to-end, tanto na usabilidade dos aplicativos quanto no last mile, com o tempo e a experiência de entrega.

 

Efeitos pós Covid-19 no e-commerce brasileiro

Sendo assim, diante de todas essas adaptações das empresas ao varejo online em tempos de isolamento social, identificamos potenciais acontecimentos no e-commerce brasileiro após o confinamento causado pela pandemia. São estes:

  • Curva forçada de consumidores digitais: Digitalização dos consumidores anteriormente mais resistentes, principalmente aqueles que realizarão a primeira compra. Haverá uma oportunidade de mantê-los no mercado online.
  • Aceleração da 2ª onda do e-commerce: Apesar da pandemia causar perdas econômicas globais, e grandes impactos no Brasil, haverá uma aceleração na tendência de categorias de uso diário para o e-commerce, impulsionada pelos consumidores já digitais e pelos novos entrantes.
  • Consumidor mais próximo do comércio local através do digital: Por um lado, o consumidor brasileiro poderá ser mais consciente da economia local ou ver valor na facilidade e confiança da entrega. Por outro, o comércio local deverá aderir rapidamente aos canais digitais, não somente através das grandes plataformas, mas também em canais como WhatsApp e Facebook.
  • Intensificação da exigência do consumidor quanto ao pós-venda digital: As empresas já caminhavam para uma melhoria e escalabilidade do atendimento através de chats, apps e até mesmo WhatsApp. Entretanto, a migração para o atendimento digital também será intensa.
  • Fidelização através da experiência E2E: Empresas que investiram na experiência end-to-end desde a navegabilidade até o pagamento e a entrega poderão aproveitar a onda de novos consumidores para fidelizá-los, reduzindo o custo de aquisição futuro e garantindo resultados saudáveis.

 

Point of View e Takeaways para os varejistas

Nessa realidade, as empresas que já tinham uma operação online mais robusta, terão um grande desafio em reter os clientes que conquistaram através da manutenção da experiência. Para essas, acreditamos nas seguintes direções:

  • Marketing: Entendimento do comportamento do consumidor on-line, através de técnicas de process mining como base para modelos preditivos de alocação de investimento em mídias digitais visando maximização contínua do ROI.
  • Logística: Melhoria do last mile tanto na perspectiva de eficiência quanto na experiência de entrega através de tecnologias de monitoramento e modelos avançados de dados. Por exemplo, também é possível desenvolver modelos preditivos que identificam eventuais atrasos na entrega antes de ocorrerem.
  • Atendimento: Evoluir a experiência de atendimento de uma forma mais escalável através de novas tecnologias que permitam maior digitalização do consumidor no pós-venda e rotinas de gestão específicas para redução dos contatos.

Para os varejistas que possuem uma operação online, porém ainda pouco expressiva, recomendamos um plano emergencial para migração de canais baseado em três pilares:

  • Marketing: A migração do orçamento da empresa para o online pode apresentar grandes riscos caso não exista uma expertise interna quanto à marketing digital. Recomendamos uma abordagem ágil que gere e teste rapidamente iniciativas voltadas à conversão da base de clientes atual, visando aumentar a melhor utilização do orçamento.
  • Tecnologia: Diagnóstico rápido para entendimento da capacidade de atendimento à migração dos clientes na plataforma atual. Caso seja necessária uma mudança, há possibilidade de utilizar plataformas de mercado com um tempo de implantação razoável.
  • Logística: Estabelecimento de um war room com iniciativas que permitam a rápida disponibilização dos estoques das lojas físicas aos canais digitais. Potenciais iniciativas são parcerias com outros marketplaces, adaptação de transportadores atuais e parcerias com startups que possuam serviço de last mile.

Aos varejistas que ainda não possuem uma operação online e a necessitem criar do zero, recomendamos as seguintes abordagens:

  • Estratégia emergencial de go-to-market: Definição estratégica da adoção dos canais digitais em termos de posicionamento de preço, sortimento e frente para o canal digital próprio e dos parceiros. Recomendamos uma abordagem através de workshops com a alta liderança para uma rápida proposição.
  • Modelo operacional: Uma vez estabelecida a estratégia de go-to-market, recomendamos a definição dos modelos de tecnologia, logística e atendimento a serem implantados. Após a definição, seleciona-se os parceiros para implantação como plataformas, transportadores e potenciais prestadores de call center.
  • Agile rooms para implementação: Definição dos pilotos e acompanhamento da implantação. Para essa etapa recomendamos a estruturação de agile rooms com pessoas-chave da companhia, fornecedores e parceiros.

Independente do estágio de digitalização, os consumidores exigirão cada vez mais um relacionamento com as marcas e não com os canais. A omnicanalidade, há anos discutida no mercado, será essencial para sobrevivência no “novo varejo” e as iniciativas dos varejistas em direção à mesma passarão pela provação do consumidor.

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