A guerra envolvendo Rússia e Ucrânia tem afetado inúmeros segmentos da economia em razão da destruição de parte da infraestrutura logística da Ucrânia, das dificuldades de escoamento das commodities russas e das sanções econômicas promovidas pelos Estados Unidos e seus aliados europeus da Otan. Um impacto imediato, para quase todas as economias do mundo, é a inflação de diversos produtos, principalmente das commodities da Rússia, com grande destaque para o petróleo e o gás natural.
A Rússia, atualmente, é um grande exportador de diversos produtos primários, como trigo, alumínio e paládio, principalmente para os países industrializados. Esses produtos afetam a fabricação de outros bens, desde alimentos processados até catalisadores de veículos movidos a gasolina. Dessa forma, as complicações para as exportações russas afetam não apenas a inflação das próprias commodities, como também dos bens industrializados que utilizam esses insumos. Esse quadro se replica para o petróleo.
Em 2020, a Rússia era responsável por 12% da produção global de petróleo, 11% das exportações e por quase 8% da fabricação de combustíveis, de acordo com dados da petrolífera britânica BP. Boa parte dessas exportações de petróleo e derivados se destinam para países desenvolvidos e para a China. No caso da Europa, por exemplo, cerca de um quarto do consumo de petróleo é atendido pelos russos.
Desde o início da guerra, com as dificuldades logísticas envolvendo não apenas a própria Ucrânia, como também o acesso ao Mar Negro, onde a Rússia concentra seus ataques, surgem obstáculos severos para o transporte do petróleo. Isso se agrava com o receio de transportadores de levarem seus navios até a região russa para buscar o produto. Além disso, as sanções financeiras impostas à Rússia dificultam a própria operacionalização da venda física do petróleo.
Os maiores compradores do petróleo russo não estão obtendo as garantias dos bancos ocidentais ou conseguindo navios para transportar o petróleo russo. Por exemplo, foi amplamente noticiado que, na última semana de fevereiro, três grandes compradores de petróleo da Rússia tiveram suas compras inviabilizadas em razão da ausência de cartas de crédito que deveriam ser fornecidas por bancos ocidentais.
Associado a esse processo, os grandes produtores do Oriente Médio têm elevado sua produção aquém do esperado. No último dia 02 de março, a Opep+ – grupo que envolve a Opep e outros parceiros, incluindo a própria Rússia – anunciou um aumento de apenas 400 mil barris por dia. Isso representa somente 15% da capacidade ociosa do bloco e mantém a recuperação da oferta num ritmo muito lento. Antes desse aumento, a produção da Opep+ estava “mais de 1 milhão de barris por dia distante de sua meta”, disse Andy Lipow, analista de petróleo e presidente da Lipow Oil Associates em Houston.
Para a Opep+, o objetivo atual é estabilizar os preços em patamares elevados, mas sem grande volatilidade. E, para isso, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos não têm o interesse de excluir a participação russa do mercado, ao contrário, buscam retomar a oferta de forma coordenada administrando as cotas físicas de petróleo e o aumento dos preços. Por essa razão, não há interesse em estrangular a indústria russa.
Esse quadro, portanto, sugere que a redução das entregas físicas de petróleo russo não deve ser compensada pelo Oriente Médio. Esses dois fatores impulsionaram uma alta significa do preço do petróleo tipo Brent, referência na Europa, onde o consumo depende fundamentalmente de russos a árabes.
Desde o início da guerra até o último dia 04 de março, os preços dos petróleos Brent e o Dubai – referência no Oriente Médio – cresceram, respectivamente, 23% e 17%, enquanto o ESPO, o petróleo leve da Sibéria, caiu 4%. Naquele dia, o barril do Brent estava acima dos US$ 118 e o ESPO em US$ 97.
As atuais condições do mercado de petróleo sinalizam uma possibilidade de escassez na Europa com os países do Oriente Médio elevando sua produção de forma muito lenta e a Rússia com claras dificuldades de escoamento. Se o conflito se estender, a Europa tende a necessitar de novas fontes energéticas, enquanto a Rússia deve buscar novos mecanismos para escoar sua produção. Enquanto esse desequilibro não for solucionado, as novas altas de preço serão a tônica da indústria nas próximas semanas.
Os impactos no setor de Gás Natural
No centro da guerra da Rússia e Ucrânia está o futuro do abastecimento de energia em diversos lugares no mundo, principalmente na Europa.
A Rússia é um dos maiores players da indústria de gás natural do mundo, sendo o principal fornecedor de gás natural para a Europa via gasodutos. Além de ser um dos players mais relevantes de GNL (gás natural liquefeito) na região.
Os Estados Unidos, a partir da sua crescente produção de shale gas, conquistou também um espaço relevante na indústria de gás natural se tornado um grande exportador de GNL para o Mundo.
Portanto, os desdobramentos desse conflito também na área energética podem atingir diversas regiões do mundo, incluindo o próprio Brasil.
A guerra, de certa forma, é um prenúncio da intensificação desse conflito energético. Em razão, dos EUA almejarem aumentar sua venda de GNL, a partir do shale gas e, por outro lado, a partir da construção de novos terminais de GNL e gasodutos (ex: Nord Stream 2), a Rússia visa elevar a dependência europeia do seu gás natural.
Desta maneira, devido própria dinâmica do conflito entre Rússia e Ucrânia e das respostas adotadas algumas nações, como as sanções americanas o mercado de gás natural se encontra bastante volátil enfrentando altas de preço e possibilidade de escassez.
Impactos no Brasil
Mas, como essa possibilidade de escassez de oferta e altas de preços pode afetar o Brasil?
Desde julho de 2020, o Brasil sofre com estiagens em várias regiões, por exemplo, entre julho e junho de 2021, registrou-se afluências até 32% inferiores à média histórica, gerando consequências preocupantes para o volume de água armazenado nos reservatórios das usinas hidrelétricas.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (NOS) anunciou a possibilidade de ser realizado um amplo racionamento para não ocorresse uma interrupção do sistema.
Esse problema que marcou a 2021 pode se repetir em anos posteriores, uma vez que há mudanças estruturais em termos ambientais, os quais devem modificar o regime de chuvas.
O aquecimento global, a expansão da fronteira agropecuária e o aumento do desmatamento, principalmente, em biomas como o da Floresta Amazônica e o Cerrado, formam uma combinação de fatores adversos, os quais acentuam os problemas da escassez hídrica.
Independentemente das causas, o fato é que a escassez de energia tem demandado um uso crescente das termoelétricas, consequentemente, aumentando a demanda por GNL. Adicionalmente, outro fator importante, é que segundo informações do Ministério de Minas e Energia (MME), em 2021, o uso de GNL importado no Brasil cresceu três vezes em relação a 2020 e 2019, sendo que em 2019, 43% do nosso GNL importado vinha dos EUA, 19% de Trinidad e Tobago e 14% dos países conectados à produção do Mar do Norte na Europa
Portanto, se eventualmente os hidrocarbonetos russos sofrerem bloqueios em relação a sua comercialização para Europa, provavelmente, toda a produção do Mar do Norte poderia ficar no próprio continente e os EUA tenderiam a redirecionar a maior parte das suas exportações de GNL ao mercado europeu.
Adicionalmente, no curto prazo, a capacidade de elevação da produção de GNL dos grandes players (EUA e Catar, principalmente) está bem próxima do seu limite máximo criando a possibilidade real de enfrentarmos uma escassez do produto.
Além dos riscos de escassez, as altas de preços têm afetado todo o mundo e isso não deve ser diferente para o Brasil. O preço do contrato futuro TTF – referência na Europa – do gás natural atingiu, no último dia 07/03, seu recorde histórico (345 euros por megawatt-hour). No final de fevereiro, o valor girava um pouco abaixo dos 100 euros.
No caso do Brasil, o preço do gás natural para Petrobras se aproxima de US$ 30 por milhão de BTU, algo próximo a US$ 300 por barril de petróleo. Com esse aumento de preços, o diretor da Petrobras de refino e gás natural, Rodrigo Costa, em entrevista, afirmou que “o preço se encontrava em patamares extremamente elevados, trazendo onerosidade maior à regaseificação”. Contudo, ele não via risco de desabastecimento, pelo menos neste momento.
Seja pela oferta, seja pelos preços, os impactos da guerra sobre o mercado de gás natural são dramáticos. No caso do Brasil, o ciclo de alta de preços do país tende a se aprofundar com o gás natural. Uma eventual falta de chuva custará caro como nunca custou.