A armadilha do longo prazo na sustentabilidade

Matéria Valor Investe –

Uma das principais verdades em sustentabilidade é também uma das maiores armadilhas para fazer com que ela avance de forma pragmática. Estou falando do entendimento de que as questões ambientais, sociais e de governança agregam valor no longo prazo.

Não por acaso, os investidores institucionais são atores que lideram esta agenda, responsáveis pela criação de iniciativas como o CDP (antigo Carbon Disclosure Project) e o PRI – Principles for Responsible Investment. Afinal, os fundos de pensão têm responsabilidade fiduciária pelos recursos que gerem, e precisam que eles estejam saudáveis e disponíveis décadas adiante, a fim de pagarem a aposentadoria de seus participantes.

Da mesma forma, introduzir a lógica socioambiental em sistemas, políticas e procedimentos não se faz da noite para o dia. Requer visão, planejamento, investimento. E, portanto, tempo. Concluo, então, que concordamos quando definimos sustentabilidade como geradora de valor no longo prazo para as companhias que a adotam.

Por outro lado, quando a vinculamos apenas ao longo prazo, não é comum surgir o pensamento: “Depois eu olho para isso. Vou tocar o ‘business as usual’ hoje e amanhã analiso essas questões”. Esta é a armadilha.

É importante, portanto, incluirmos no nosso discurso com as lideranças a perspectiva de que sustentabilidade traz valor, sim, também no curto prazo. Ora, os impactos são observados hoje, seja em termos de riscos ou oportunidades. Alguém tem dúvida disso? Que o digam uma pandemia imprevisível que colocou o mundo em lockdown, os desastres ambientais e as crises sociais que do dia para noite derrubam os papeis das companhias listadas em bolsa e arrasam sua reputação corporativa.

Por tudo isso, uma das pesquisas que mais me impressionaram e uso em minhas apresentações e diálogos é a “The ESG premium: New perspectives on value and performance, realizada pela McKinsey&Company de 16 a 31/7 de 2019 e divulgada em fevereiro deste ano. Foram consultados 439 executivos C-level e 119 da comunidade de investimentos de várias regiões, indústrias e companhias. O estudo capturou a mudança de percepção desses profissionais em uma década – de 2009 a 2019 – em relação ao valor que as questões ambientais, sociais e de governança agregam aos acionistas no curto e no longo prazo.

A percepção de que esses fatores impactam no longo prazo, que já era alta em 2009, se tornou praticamente unânime em 2019. Até aí, nenhuma surpresa. Como já vimos, esse é o esperado quando falamos de sustentabilidade — se bem que sempre devemos celebrar quando não há retrocessos.

A boa notícia que a pesquisa nos traz, no entanto, é que a percepção dos entrevistados sobre a criação de valor da sustentabilidade no curto prazo aumentou muito:

  • Dois terços afirmaram que os programas sociais agregam valor no curto prazo, contra 41% há dez anos.
  • Sete em cada dez disseram que os programas de governança têm um efeito positivo no curto prazo, em comparação a 67% anteriormente.
  • Já os programas ambientais são o que apresentaram a mais baixa percepção de ganhos no curto prazo, em relação aos aspectos sociais e de governança. Por outro lado, tiveram um avanço importante em dez anos, passando de cerca de 30% para quase 60% dos respondentes entendendo que esta agenda tem impacto positivo já.

A pesquisa investigou, ainda, como mudou em uma década a percepção de que programas ambientais, sociais e de governança contribuem para a performance financeira da companhia.

“Manter uma boa reputação corporativa” e “Atrair e reter talentos” continuam como os itens ESG que mais contribuem para o desempenho financeiro na visão dos entrevistados. Entre as iniciativas que tiveram aumento de percepção sobre seu impacto financeiro estão: “Atender às expectativas da sociedade quanto ao bom comportamento corporativo”, “Aumentar o acesso a capital”, “Fortalecer a posição competitiva da organização” e “Melhorar a gestão de riscos”.

Estamos evoluindo, que bom. Mas mudar o padrão econômico, de consumo, produção e comportamento não é algo simples, nem tão rápido como gostaríamos. Costumo dizer que “não dormimos e acordamos sustentáveis”. Por isso, ainda vemos e veremos decisões puramente financeiras sendo vantajosas. Como disse Flavio Menezes, especialista da Consultoria Bip, em uma matéria: “Empresas que não necessariamente aderem aos conceitos ESG, mas são boas pagadoras de dividendos e possuem liquidez no mercado, vão continuar a fazer parte das carteiras dos fundos nos próximos cinco anos. A partir daí, empresas de fato atrativas para os fundos terão que apresentar critérios de sustentabilidade”.

Concordo com a tese, infelizmente. Mas tenho dúvidas sobre o tempo. A urgência que a pandemia trouxe a estes temas tende a acelerar a cobrança sobre as empresas em relação às suas práticas EESG. Ainda nesta análise temporal, trago também uma fala interessante do presidente do Itaú Unibanco, Cândido Bracher: “Ser socioambientalmente ineficiente também é ineficiente economicamente. Você pode ganhar dinheiro no curtíssimo prazo, mas é péssimo para a sustentabilidade dos negócios”.

Entender que a sustentabilidade impacta no curto prazo, por mais paradoxal que possa parecer, é um pensamento de longo prazo. É o que comprova uma pesquisa conduzida por Russell Reynolds, em parceria com Focusing Capital em abril deste ano e denominada “Tone at the Top: The Board’s Impact on Long-term Value”. Entre os achados, está que os diretores que se concentravam principalmente no longo prazo (20% dos consultados) não eram apenas melhor informados sobre estes tópicos, em comparação aos que estavam focados no curto prazo. Eles eram, na verdade, também melhor informados sobre questões de curto prazo (por exemplo, riscos operacionais imediatos, atuais produtos e serviços, atividades de vendas etc.).

Sou fã da ONU, e por isso encerro esse artigo com a definição de Desenvolvimento Sustentável que consta do icônico Relatório Brundtland Nosso Futuro Comum, de 1987. Notem que ela trata, sim, das próximas gerações, mas a partir da perspectiva da geração atual que afinal, é a que tem grande responsabilidade pelo futuro: “Desenvolvimento Sustentável é aquele que satisfaz as necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades.”

Link da matéria: https://valorinveste.globo.com/blogs/sonia-favaretto/post/2020/09/a-armadilha-do-longo-prazo-na-sustentabilidade.ghtml

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