Óleo e Gás: Cenário incentiva a produção

A guerra na Ucrânia e as consequentes sanções à Rússia – uma das três maiores produtoras mundiais de petróleo e gás -, que ajudam a manter os preços do barril na casa dos USS 100, podem contribuir para ampliar negócios do setor no Brasil. O Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) estima investimentos, em exploração e produção, de USS 13,5 bilhões neste ano no país. Este valor é USS 1 bilhão acima do que foi aportado em 2021 e, para 2023, a previsão sobe para US$ 23 bilhões.

Eberaldo Almeida, presidente do IBP, avalia que o descasamento entre oferta e demanda, gerado primeiramente pela pandemia de covid-19 e agora pelo conflito entre Rússia e Ucrânia, produziu um cenário de volatilidade jamais visto. “A alta dos preços sinaliza que o petróleo e o gás ainda são muito importantes para a segurança energética mundial”, diz. Para ele, os investimentos no Brasil ” serão tão maiores quanto mais atrativo for o ambiente interno em relação aos competidores por investimentos similares, como a Guiana e o Suriname, por exemplo”.

Brasil e Guiana puxam a América Latina, continente responsável por 24% dos projetos aprovados em águas profundas neste ano, de acordo com análise da Rystad Energy. O levantamento da empresa norueguesa de pesquisa e inteligência de mercado, feito em janeiro – antes, portanto, da invasão da Ucrânia pela Rússia, iniciada no fim de fevereiro -, prevê USS 628 bilhões em investimentos globais, uma alta de 4% sobre 2021.

No Brasil, empresas como Petrobras, Shell, 3R Petroleum e Enauta tocam planos bilionários que incluem a compra de ativos, a instalação de plataformas e o aumento de produção. Na estatal, o novo presidente, José Mauro Coelho, que assumiu em abril, vai comandar um plano que prevê investimentos de USS 68 bilhões até 2026, dos quais 84% em exploração e produção com foco no pré-sal. Neste ano, há previsão de entrada de um FPSO (navio de armazenamento e transferência), com capacidade para 180 mil barris diários, no Campo de Mero, na bacia de Santos.

A previsão de produção inicial para 2022, de 2,7 milhões de barris de óleo equivalente (boed, que inclui gás), foi revista em janeiro para cerca de 2,6 milhões. Já até 2026, estes números sobem para 3,2 milhões de boed. A empresa mantém em 2022 a previsão de investimentos de USS 11 bilhões divulgada no plano estratégico.

O conflito, segundo a Petrobras, não alterou a projeção de produção e investimentos e a estatal reafirma as taxas de crescimento da produção previstas no seu Plano Estratégico, de cerca de 20% no período 2022-2026. Diz também que a guerra na Ucrânia traz volatilidade ao preço de minérios, especialmente os usados na indústria de óleo e gás, e no custo logístico.

O CEO da 3R Petroleum, Ricardo Savini, observa que um aumento de produção, incentivado por alta dos preços e pela necessidade de aportar mais produto em função das sanções à Rússia, pode esbarrar nessa elevação dos custos dos equipamentos. “Historicamente. o custo de mão de obra, de bens e serviços em nossa indústria apresenta um grande paralelismo com a curva de preços do barril de petróleo. Se neste momento o barril fica mais caro, podemos, sim, esperar um aumento dos custos de extração deste mesmo barril”, diz Savini.

A3R, que cresce adquirindo campos do programa de desinvestimento da Petrobras e com negociações com outros players privados, foca no longo prazo e mantém os seus planos de investimento. A empresa foi uma das treze petroleiras que adquiriram 59 blocos no 3° Ciclo de Oferta Permanente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em meados de abril: ficou com seis deles, na bacia potiguar.

Segundo Savini, somente para 2022, o plano é aportar cerca de USS 100 milhões, destinados principalmente à conclusão da unidade de separação óleo-água em Macau, infraestrutura de produção e início da campanha de perfuração, especialmente nos ativos em que a 3Ropera por mais tempo-Macau e Areia Branca, no Rio Grande do Norte -, e Rio Ventura, na Bahia, entre outras atividades.

Além de valores comprometidos para aquisições, a 3R estima investir ainda aproximadamente US$ 720 milhões no desenvolvimento de seus campos entre 2022 e 2025. Savini lembra que, mesmo quando o preço do barril caiu em 2020, em função da pandemia, a empresa manteve os planos de construção de portfólio por aquisições. Agora, a empresa está concluindo as transições operacionais com a Petrobras e tendo um aumento da produção “justamente num momento de altos preços da commodity”, destaca Savini. A 3R produz aproximadamente 45 mil barris de óleo equivalente por dia.

Outra que vem tocando investimentos bilionários é a Enauta, cujos esforços estão focados no campo de Atlanta, na bacia de Santos. No começo do ano, foi aprovado o Sistema Definitivo (SD) e o investimento previsto é de US$ 1,2 bilhão, em dois anos, incluindo a compra e adaptação do FPSO. A expectativa é que a produção diária atinja 50 mil barris por dia a partir de 2024. “O novo FPSO será equipado com tecnologia que torna a operação menos carbono intensiva”, destaca o CEO da Enauta, Décio Ottone.

Segundo ele, o bom momento do setor requer investimentos, uma vez que as empresas vislumbram a aquisição de novos ativos em produção para aumentar a geração de caixa. “O segmento de exploração pode ser uma cereja no bolo para o crescimento de longo prazo. Neste sentido, temos oportunidades em áreas importantes do país, como a bacia Sergipe-Alagoas e Margem Equatorial”, complementa Ottone. Ele acredita que o preço do barril no pós-guerra estará em um patamar” um pouco acima do que estava antes do conflito”.

A Enauta mantém olhos atentos às boas oportunidades do mercado, graças a um caixa de R$ 3 bilhões, que garante espaço para financiar “aquisições e parcerias”. Em fevereiro passado, a produção média diária da empresa foi de 16,9 mil barris de óleo equivalente (incluindo gás), somando Atlanta e o Campo de Manati (na Bahia).

Para Anderson Dutra, sócio-lider de energia e recursos naturais da KPMG, as empresas de menor porte que compraram ativos do programa de desinvestimentos da Petrobras podem contribuir para aumentar a produção geral do país. “Elas já têm acelerado a produção, aumentando o fator de recuperação destes campos”, diz. Ele ressalta que estas petroleiras fizeram boas captações no mercado recentemente e estão com caixa para acelerar investimentos.

Dados da ANP indicam que os 124 campos maduros vendidos pela Petrobras desde 2019 têm previsão de aumento de produção de 122% até 2025, chegando a 125,6 mil barris por dia. No total, o Brasil produziu por dia, em fevereiro passado, 2,9 milhões de barris, dos quais cerca de 70% pela Petrobras. Em outra frente de elevação da produção, Dutra lembra que, em 2020, houve uma redução de oferta nos países produtores e no Brasil isso representou um corte de cerca de 30%. Por isso, vê espaço para uma retomada num ritmo maior. “Não sei se a gente retoma esses 30%, mas já temos capacidade instalada”, observa.

A multinacional anglo-holandesa Shell, que tem aportado entre USS 1 bilhão e US$ 2 bilhões por ano no Brasil, não alterou os planos para o país em função da guerra na Ucrânia. Seu apetite está mantido: comprou, em consórcio com a Ecopetrol, seis blocos na bacia de Santos no 3° Cico de Oferta Permanente, em meados de abril. “Qualquer conclusão sobre oportunidades e riscos específicos para o setor no Brasil neste momento pode ser precipitada. Trata-se de uma indústria com ciclos muito longos”, diz o vice-presidente-executivo da Shell Brasil, Cristiano Pinto da Costa.

A Shell produz atualmente uma média diária de cerca 400 mil barris no país, pouco mais de 10% da sua produção mundial. Em 2022, terminará a campanha exploratória do bloco CM-791 (na bacia de Campos), que já apresentou indícios de hidrocarbonetos, o que foi notificado à ANP em março. Também busca uma sonda para perfuração nas bacias de Campos e Santos em 2023 e segue no processo de afretamento do FPSO de Gato do Mato, seu primeiro ativo operado no pré-sal, na bacia de Santos.

A Shell vem aproveitando oportunidades no mercado brasileiro de gás natural e fornecerá o insumo oriundo do pré-sal para a usina termelétrica de Marlim Azul, em Macaé (R]), que entra em operação em janeiro de 2023. O investimento soma US$ 600 milhões e a unidade terá capacidade de 565 MW. Seguindo na trilha de monetização do seu gás, no fim do ano passa- do a Shell Brasil assinou acordos com a Unigel e com as companhias distribuidoras de gás de Pernambuco e Bahia, Copergás e Bahiagás, respectivamente, para fornecimento do insumo.

De acordo com Pedro Souza, líder de Óleo&Gás da consultoria Bip, já houve uma articulação em diferentes países, incluindo o Brasil, para tentar suprir a lacuna do óleo russo. Ele lembra que no dia 23 de março, em reunião da Agência Internacional de Energia (AIE), em Paris, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, disse que o Brasil aumentará sua produção de petróleo em 10%, cerca de 300 mil barris por dia, até dezembro de 2022. Em meados de abril, o ministério informou que a expectativa de aumento se baseia nos Planos Anuais de Desenvolvimento (PAD), aprovados pela ANP.

“A produção significativa provém dos campos offshore, cujos projetos são complexos e demorados. Isso deve dificultar um aumento muito acelerado da produção brasileira num prazo curto de tempo”, destaca Souza. Os campos menores, operados por empresas pequenas e médias e que foram adquiridos da Petrobras, diz o consultor, podem ajudar a elevar a produção, mas ele tem dúvidas se o país conseguirá honrar o compromisso assumido no encontro da AIE.

O pesquisador João Victor Marques Cardoso, da FGV Energia, aponta que o Brasil surge nos relatórios mensais das principais agências e organizações do setor de energia como um dos principais catalisadores para o crescimento da oferta global de petróleo. E a guerra na Ucrânia acentuou esta posição. “A otimização dos investimentos da Petrobras que se concentram no pré-sal, somada às perspectivas dos campos operados por outras petroleiras, favorece o aumento da produção nacional, diz Cardoso. E no refino, acrescenta, a elevação das margens trazida pelo aumento dos preços da commodity estimula a utilização da capacidade das refinarias.

Ele lembra que, antes do conflito no Leste Europeu, a indústria de óleo e gás já se deparava com alta de fretes e de matérias-primas para equipamentos. E se, por um lado, os preços elevados incentivam novos aportes financeiros para ampliar a produção de óleo e gás, por outro, “essas decisões sobre investimentos devem ser cautelosas por causa dos custos mais elevados”.

No segmento específico de gás natural, o diretor de estratégia e mercado da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), Marcelo Mendonça, diz que a guerra na Ucrânia e as hostilidades entre dois polos fundamentais na relação entre oferta e demanda – respectivamente a Rússia e a Europa Ocidental – “certamente têm potencial para causar efeitos duradouros no mercado mundial, de extensão ainda imprevisível”.

Isso aumenta a necessidade de o Brasil investir mais em sua autonomia e produção, visando reduzir “a exposição, no médio para o longo prazo, à volatilidade do mercado internacional”. Para o executivo, é preciso que o país adote políticas públicas para o desenvolvimento da demanda, permitindo a monetização do gás do pré-sal. O Brasil, destaca Mendonça, vem perdendo cerca de R$ 8 bilhões anuais em Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), royalties e fundo de participação com o não aproveitamento de gás do pré-sal.

Ele afirma que, por falta de infraestrutura essencial – como rotas de escoamento, unidades de processamento e gasodutos de transporte -, o gás do pré-sal vem sendo reinjetado em grande escala. “Acima de 60 milhões de metros cúbicos/dia, cerca de 45% da produção bruta, o que representa, apenas para se ter um parâmetro, o dobro do consumo de gás da indústria brasileira”, salienta Mendonça.

Acesse a matéria original: https://www.valor.com.br/revistas/?valor_pro=1#/edition/187199?page=1&section=1

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