Nos últimos anos, as empresas de petróleo têm sido confrontadas com a necessidade de adaptação às mudanças na matriz energética global que, gradativamente, está reduzindo o peso das energias fósseis e convergindo para aquelas mais limpas e renováveis.
Isso, por sua vez, não significa que todas as corporações estão adotando estratégias de negócio em direção às energias limpas. Embora todas elas estejam buscando reduzir sua pegada de carbono, a forma como isso tem sido feito varia consideravelmente entre cada uma das petrolíferas.
E, mais importante: o petróleo e gás natural continuam como seu core business e tudo indica que continuarão assim, ao menos nos próximos anos.
Estratégias de Entrada
De forma geral, pode-se observar a existência de três principais estratégias para a entrada no segmento de renováveis:
- Agressiva: constitui numa entrada acelerada e diversificada no segmento de energias renováveis e descarbonização, em termos de expansão do investimento e da inclusão de novos ativos. A expectativa é que, na próxima década, o negócio de energia renovável aumente sua participação na cadeia de valor destas empresas. As principais petrolíferas que estão nesse grupo são as europeias, principalmente a francesa TotalEnergies e a norueguesa Equinor.
- Equilibrada: constituída por um crescimento dos negócios em renováveis e descarbonização, mas em um ritmo não tão superior ao das atividades de petróleo e gás natural. Nesse caso, é possível que os ativos em energia renovável ganhem espaço na cadeia de valor dessas empresas, mas de forma relativamente mais lenta que no primeiro grupo. A prioridade dessas empresas é de ampliar sua geração de energia em várias frentes, incluindo petróleo e gás natural. As empresas chinesas são bons exemplos neste grupo.
- Conservadora: concentra-se nos investimentos em ativos de descarbonização. Nessa estratégia, como o objetivo é continuar seu foco nas atividades de petróleo e gás natural, a atuação das empresas está direcionada para a redução de sua pegada de carbono. Ou seja, a prioridade é tornar o processo de produção de petróleo, gás natural e seus derivados “mais limpos”. As petrolíferas americanas vêm seguindo essa estratégia.
Cabe ressaltar que, a despeito de existir uma diferença considerável na forma de realizar sua “transição energética”, todas as empresas têm se apoiado em parcerias e entrado de forma cautelosa nos segmentos de renováveis. Como mostra um estudo coordenado por Ensieh Shojaeddini, da US Environmental Protection Agency, a inserção das petrolíferas na indústria de energia renovável ocorre de forma relativamente passiva por meio de “acquisitions and minority investments; venture capital investments; direct ownership of renewable generation assets; and research and development (R&D)”.
Um outro estudo, de Zhong e Bazilian (2018), reforça essa percepção ao mostrar que o caminho de atuação das petrolíferas globais em renováveis está concentrado em:
- Disseminar a expertise operacional do setor de exploração e produção offshore e de refino, respectivamente, para o segmento de eólica e de biorrefinarias;
- Prover financiamento (venture capital) para startups com alta intensidade tecnológica em renováveis;
- Construção de negócios integrados com o setor de renováveis, principalmente nas operações de exploração e produção.
Apesar disso, de maneira geral, as empresas europeias têm sido mais agressivas na atuação da indústria de renováveis, em relação às IOCs americanas e as NOCs chinesas. Nesses dois últimos grupos de empresas, principalmente em razão dos interesses e potencialidades dos seus países, os investimentos no segmento de renováveis são inexpressivos, embora no caso chinês haja uma sinalização de mudança desse quadro no médio prazo, diferentemente do caso americano.
Gráfico – Investimento das majors em energia de baixo carbono (2010-2018). Em proporção do Capex total
Font: Shojaeddini et al. (2019)
Atuação das Grandes Petrolíferas
Mais importante do que o desempenho recente, é a ambição de cada uma dessas empresas no médio prazo e longo prazo.
A Equinor, por exemplo, adota uma postura mais agressiva no segmento de energia limpa desde o seu Plano de Negócios de 2008.Com metas audaciosas de elevar significativamente seu Capex em energia limpa e/ou liderar globalmente, alguns elos da cadeia de renováveis, a empresa atualmente possui uma maciça participação no mercado de energia eólica offshore europeu e avança com projetos fotovoltaicos na América do Sul, como o parque fotovoltaico em Apodi, no Brasil, com capacidade de 162 megawatts.
Da mesma forma, a Total vem acelerando as parcerias em diferentes áreas, e ampliando sua atuação para vários lugares do mundo, incluindo o Brasil. O recém reposicionamento da marca para TotalEnergies aponta para a estratégia de disputar os mercados de eletricidade, hidrogênio, biomassa, solar e eólica, mantendo ainda investimentos em óleo e gás em seu portfólio de projetos.
O mesmo ocorre com outras empresas europeias, principalmente a BP, que tem uma antiga relação com a produção de energia solar. Após sinalizar uma saída do negócio solar em 2011, a BP realizou uma mudança de visão do negócio para reingressar nesse mercado. Seguindo o caminho das petrolíferas globais, apostando em negócios integrados e estabelecendo parcerias com startups, ela ampliou a participação no mercado de energia eólica, nos Estados Unidos e em etanol no Brasil. Desta forma, a companhia sinalizou para o mercado a importância de continuar encontrando novos modelos para atuar, cada vez mais, no ramo de energias renováveis.
Em contrapartida, o desempenho das petrolíferas americanas tem sido muito mais tímido do que de seus pares europeus. De 2010 a 2018, a Chevron e a Exxon investiram, cada uma, somente 0,2% do seu Capex em renováveis, enquanto as europeias TotalEnergies e Equinor aplicaram 4,3% e 1,8%, respectivamente. Contudo, recentes movimentos de acionistas, tanto da Exxon quanto da Chevron, podem pressionar ações mais favoráveis à agenda climática, apesar de ainda não se esperar dessas empresas uma diversificação significativa de seus portfólios.
Atuação no Brasil
Ao mesmo tempo que as petrolíferas europeias demonstram interesse nos ativos de energia renovável, o Brasil se estabelece como um dos mercados com maior potencial nessa frente. Além da nossa imensa fronteira agrícola, que nos fornece grande vantagem competitiva para a produção de biocombustíveis, o Brasil conta com um potencial imenso para a geração solar e eólica, inclusive offshore. Nesse último caso, há ainda a existência de uma forte sinergia com a indústria de petróleo e gás offshore, principalmente do Nordeste.
Graças a isso, grandes majors europeias, como Shell, BP e Equinor, vem adquirindo ativos e aportes em pesquisa de tecnologias limpas no Brasil. Apostando no potencial para negociações de contratos privados com renováveis no país, dado o tamanho do mercado livre de eletricidade local comparado a outros países, elas intensificam sua participação e relevância no mercado energético nacional.
Cabe ressaltar que, dentre essas empresas, a Shell tem tido uma atuação de destaque. A anglo-holandesa está realizando inúmeros investimentos em ativos de gás natural e energia renovável, como a construção de térmicas a gás no litoral fluminense e de usinas fotovoltaicas em Minas Gerais.
Além disso, empresas estrangeiras e principalmente operadoras brasileiras, tais como Petrorecôncavo e Eneva, têm participado de uma grande abertura do mercado para gás natural. As descobertas onshore no norte e nordeste brasileiros tem impulsionado a diversificação da matriz energética local, por meio da exploração do gás natural.
Essa postura mostra que o Brasil, sem dúvidas, será um dos grandes receptores de investimentos em energia renovável por parte das empresas de petróleo. Seja pela nossa vocação em recursos energéticos limpos, seja pela nossa extensa fronteira agrícola, as majors estão apostando em diferentes segmentos no Brasil. Algumas estão mais de olho nas oportunidades de biocombustível, como a BP, outras em energia eólica e solar, como a Equinor, e outras em todos os segmentos, como a Shell.
É importante notar que essa entrada de operadoras de petróleo em energia limpa é liderada pelas europeias, seguido das chinesas. Apesar disso, há um grupo de empresas em vários lugares do mundo cuja entrada nesse segmento ainda é menos agressiva. O ritmo da transição energética no futuro poderá obrigá-las a repensar esse comportamento.