1. O que é exatamente o 5G?
O termo “5G” já não é mais novidade para ninguém hoje em dia. Todos (ou quase) já sabem que se trata da 5ª Geração de redes moveis, ou seja, a evolução do “4G” lançado no Brasil no final de 2012.
Porém, os avanços que esta tecnologia irá trazer e as inovações que estão por vir junto à sua implantação são muito menos conhecidos. Não se trata de uma simples evolução técnica do 4G com apenas um incremento de velocidade de download / upload. O 5G tem o poder de revolucionar a maneira com a qual vivemos e trabalhamos. Alguns até falam que a tecnologia irá habilitar a 4ª revolução industrial com um potencial de contribuição no PIB mundial 2020-2035 equivalente ao tamanho da economia da Índia (5ª potência econômica mundial em 2019 com PIB de $USD 2.8 tri).
Mas de forma concreta, quais serão os avanços tecnológicos do 5G(*)?
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- Uma velocidade que pode atingir até 10 Gbps nos picos (contra 100 Mbps atualmente)
- Uma latência reduzida para 1 ms (contra 10-20 ms hoje) com alta confiabilidade (99.999%). A latência é a demora entre uma solicitação de dados (ex.: um usuário clica no link de um determinado site) e o recebimento no dispositivo (ex.: a página do site começa a ser exibida)
- A possibilidade de ter um maior volume de dispositivos conectados à rede para uma mesma área com um potencial de 1 MM dispositivos / km2 (contra ~100 k atualmente)
- Uma redução do consumo de energia em função da inteligência e das capacidades de otimização de uso das redes 5G
- Uma maior capacidade de tráfego de dados para uma determinada área podendo chegar a 10 TB / s / km2
- A habilitação do Network Slicing: com a virtualização das redes móveis – fundamental para o 5G – as operadoras poderão “fatiar” de forma inteligente a rede e suas capacidades (velocidade, latência, etc…) para priorizar determinados segmentos de atividade (ex.: hospitais, indústria, etc…), clientes ou até aplicações específicas
(*) Os valores descritos para cada dimensão são valores máximos. Esses máximos não podem ser atingidos todos simultaneamente uma vez que existe uma influência / impacto das dimensões entre elas.
2. Que tipo de aplicações podemos esperar?
O aumento da velocidade, da conectividade, da capacidade de tráfego e a baixíssima latência oferecidos pelo 5G abrem caminho para novas gerações disruptivas de aplicações e serviços.
Os casos de uso decorrentes da implementação da tecnologia costumam ser classificados em 3 grandes categorias:
- Massive IoT (MIoT) que corresponde às aplicações baseadas no uso massivo da Internet das Coisas (IoT), ou seja, envolvendo milhões de dispositivos autônomos e conectados utilizados para monitorar ou executar determinadas tarefas. Essa classe provavelmente possui o maior potencial de mercado a médio prazo com:
- O desenvolvimento crescente da indústria 4.0 e a automação em grande escala de linhas de produção.
- A implementação de Smart Cities: essas cidades, pilotadas por inteligência artificial, serão capazes de monitorar e gerir o trânsito para uma maior fluidez e limitar as emissões de CO2, reduzir o consumo energético com iluminação inteligente, gerir automaticamente as vagas de estacionamentos e a recarga de veículos elétricos, aumentar o nível de segurança dos cidadões (ex.: com detecção de assaltos por câmeras), etc…
- A digitalização do agronegócio (um dos raros setores em crescimento constante que não foi impactado pela crise de coronavirus). Um piloto realizado no Reino Unido no ano passado permitiu automatizar por exemplo a coleta de leite em uma fazenda, equipando as vacas leiteiras com dispositivos inteligentes capazes de abrir as portas de uma ordenhadeira robotizada e acionar o sistema assim que as vacas entrem (vídeo: https://www.reuters.com/video/watch/idRCV006KZW).
- No universo B2C, o desenvolvimento de serviços / produtos de Smart Home para controle e gestão remota dos elementos da casa (como temperatura, luzes, fechaduras, geladeiras inteligentes, etc…) ou ainda serviços de Home Care com o monitoramento remoto de pacientes doentes ou idosos com medição de sinais vitais e alertas automáticos.
- Ultra Reliable Low Latency Communications (URLLC) que engloba as aplicações que possuem como pré-requisito uma latência extremamente reduzida. Dentro dessas, se destacam:
- As aplicações de “missão crítica” como por exemplo cirurgias remotas (nas quais o cirurgião manipula um robô a distância para operar o paciente), carros autônomos (*), etc… que devem demorar um pouco para se expandir no mercado pela complexidade de implementação. A autonomia dos carros em que está em discussão aqui vai muito além da capacidade do veículo estacionar sozinho (o que já existe hoje) pois trata-se de embarcar um verdadeiro piloto automático, capaz de levar o usuário de um ponto A até um ponto B sem nenhuma intervenção humana e qualquer seja o tipo de rota a ser utilizado (rua, avenida, estrada, etc…).
- As aplicações baseadas em realidade virtual e realidade aumentada, beneficiando por exemplo o mundo da educação, do gaming, os sistemas navegacionais (ex.: GPS holográficos), o streaming de eventos ao vivo (imagina-se acompanhando um jogo do seu time de futebol favorito como se estivesse na grama do estádio), etc…
- Enhanced Mobile Broadband (eMBB) que contempla as aplicações viabilizadas por uma maior velocidade e/ou capacidade de tráfego de dados, que serão provavelmente as primeiras a nascer no mercado por serem as menos complexas e críticas. As mais famosas são:
- O streaming de vídeos de altíssima resolução (ultra HD).
- O Smart Venue (altas conectividade e capacidade de tráfego durante os eventos que agrupam dezenas / centenas de milhares de pessoas em um mesmo lugar).
- O Fixed Wireless Access (uso de um modem 5G para conectar uma casa ou empresa à internet em alta velocidade, principalmente nas áreas de baixa cobertura de fibra e outras tecnologias de banda larga fixa como as áreas rurais por exemplo).
Em resumo, para a sociedade em geral o 5G irá acelerar a transformação digital das cidades, casas, escolas, transportes e sistemas de saúde, alavancando inúmeros produtos e serviços inteligentes para melhorar nossa qualidade de vida e segurança.
Já para as empresas e em particular as indústrias, o 5G combinado com IoT irá habilitar tremendas oportunidades de eficiência com automações e grandes volumes de dados. Esses dados, com uso ampliado de analytics e inteligência artificial, permitirão gerar novos insights para guiar as estratégias e alavancar reduções de custos.
Porém cabe salientar que os casos de usos descritos acima ainda ficam – para a maioria deles – na esfera conceitual e alguns podem depender de mais de um requisito (o que significa que as fronteiras entre as categorias de aplicações são permeáveis).
(*) Nesse momento o desenvolvimento de carros autônomos não depende – e não pode depender obviamente – da disponibilidade e da cobertura 5G. Os fabricantes já estão trabalhando com as tecnologias atuais (4G, WiFi e sensores) para desenhar os primeiros carros autônomos. No futuro, quando a cobertura não será mais um problema relevante, é possível que o 5G se torne a tecnologia de base desses mecanismos de direção autônoma, simplificando o funcionamento e talvez reduzindo o custo de fabricação.
3. Plano de rollout
Apesar do 5G já estar disponível em algumas cidades de diferentes países ao redor do mundo (ex.: Estados Unidos, Canadá, Coreia do Sul, China, etc…), o rollout em grande escala da tecnologia está previsto para iniciar ainda em 2020 na maioria dos países. Estima-se atualmente que somente um terço do planeta possuirá cobertura 5G até 2025.
Os prazos implementação irão obviamente depender das políticas dos diferentes governos e da velocidade de evolução das regulamentações. Vale a pena ressaltar também que alguns casos de usos (ex.: aplicações baseadas em IoT que tratam informações sensíveis ou usam geolocalização das pessoas) podem ser impactados por temas como segurança dos dados, respeito à privacidade, etc…
A velocidade no lançamento de aparelhos que suportam o 5G (bem como o preço) constitui também um outro fator crítico de adoção da tecnologia e indiretamente a sua expansão. A Apple por exemplo deve anunciar em Set. 2020 seu primeiro modelo de iPhone compatível com o 5G enquanto os concorrentes já lançaram alguns produtos no mercado desde o ano passado (como a Samsung que deteve 43% do mercado global de smartphones 5G em 2019). Inicialmente, o preço elevado desses aparelhos deve fazer com que o acesso à tecnologia fique restrito a um publico mais rico.
No Brasil, embora as operadoras já começaram a investir na evolução das suas redes cores, a implementação da rede 5G ainda é condicionada ao leilão para aquisição de frequências, que devia ser conduzido pela ANATEL inicialmente este ano. Porém a pandemia de coronavirus bem como os movimentos de consolidação em andamento no mercado brasileiro podem fazer com que o deployment da tecnologia atrase. Neste sentido, o ministro das comunicações Fábio Faria já anunciou a postergação do leilão de frequências para o primeiro semestre 2021. Ao menos a pandemia terá trazido como impacto positivo uma intensificação do uso de dados que deve perdurar após o término da crise, reforçando assim a necessidade de evolução da rede em prol ao 5G.
Existem também outras discussões regulatórias em andamento sobre o tema das redes privadas (oriundas do fatiamento da rede ou “Network slicing” que o 5G irá habilitar), fundamentais por exemplo para que as indústrias possam ter seu próprio ambiente, seguro, com uma conectividade de qualidade para implementar casos de usos baseados em MIoT.
Sobre o plano político, o ministro da economia Paulo Guedes ressaltou recentemente riscos de impactos na cadeia de fornecimento dos elementos de redes para o 5G, após o levantamento de suspeitas internacionais acerca da empresa chinesa Huawei (um dos principais fornecedores no mundo). Alguns países como o Reino Unido e os EUA afirmam que, no contexto geopolítico atual com a China, a empresa representaria um risco de segurança em função dela ter um “possível” acesso às informações que tramitam nos seus elementos de rede. Com isso, existe a possibilidade do Brasil seguir na mesma linha que o governo Trump, complicando assim o cenário de evolução das redes.
4. Quais implicações para as operadoras de telecomunicações?
a) Investimentos na rede
A tecnologia 5G se apoia em ondas de maior frequência do que a geração anterior (4G) e consequentemente de menor comprimento (da ordem do milímetro). Com isso, as ondas 5G conseguem percorrer distancias menores e requerem, portanto, uma rede mais densa do que o 4G. A densificação da rede por sua vez envolve investimentos importantes por parte das operadoras de rede móvel. Esses investimentos são compostos, entre outros, por gastos referentes à instalação massiva de “small cells” (pequenas antenas instaladas em prédios ou iluminações públicas) e à implantação de novos sites de transmissão. A virtualização das funções de gestão da rede – fundamental para o 5G – também terá um custo relevante para as telcos na medida que requer a implementação de arquiteturas cloud de grande porte.
A GSM Association (GSMA), que representa os interesses das operadoras no mundo inteiro, estimou que as operadoras gastariam cerca de $USD 480 bi, somente no período 2018-2020, para implementar o 5G. Outros estudos recentes apontam que esse custo tenderia a dobrar em seguida entre 2020 e 2025.
Vale destacar que o grau de incerteza quanto às questões regulatórias e à viabilidade futura dos diferentes casos de usos tende a aumentar consideravelmente o risco desses investimentos para as operadoras.
Perante este cenário, o compartilhamento de redes (que já existe hoje com o 4G) pode ser uma alavanca valiosa para que as operadoras consigam aliviar o peso dos investimentos e mitigar ao mesmo tempo o risco associado. A “uberização” da rede poderia ser também um outro modelo factível a médio / longo prazo: as cidades, empresas e donos de prédios poderiam investir em antenas enquanto as operadoras os retribuiriam pela utilização dos ativos. Essa retribuição poderia inclusive ser feita por meio de fornecimento gratuito de serviços (ex.: monitoramento de trânsito para cidades, serviço de MIoT para as empresas, etc…).
b) Modelo de negócio
Apesar de todas as incertezas acerca do 5G, uma coisa é certa: as operadoras de telecomunicações vão ter que reinventar seus modelos de negócio e evoluir seus papeis na cadeia de valor para continuar competindo no mercado. Em um contexto no qual: as receitas tendem a estagnar, as reduções de custos se tornam cada vez mais difíceis, o acesso à internet em alta velocidade já virou commodity para os clientes e as empresas digital-native se multiplicam inovando com serviços over-the-top (OTTs) disruptivos, é fundamental que as telcos se reposicionem para ganhar competitividade.
Além disto, levando em consideração o peso e o risco dos investimentos necessários, as operadoras precisam idealizar desde já esses novos modelos bem como os primeiros casos de uso que irão ser implementados, para garantir a rentabilização futura da tecnologia. Caso não estejam preparadas o suficiente, é altamente provável que o gap seja preenchido por outros atores (como startups inovadoras por exemplo) e que a estratégia de “fast follower” não funcione.
Considerando a natureza das aplicações que estão sendo desenhadas, nós da Bip acreditamos que as maiores oportunidades para as telcos residam mais no mercado B2B do que no mercado B2C. Porém, cabe destacar que as operadoras não possuem ainda o know-how específico às diferentes verticais nem todas as competências de TI para desenvolvimento, ambos necessários para conceber e implementar aplicações e serviços que possam gerar valor no mercado.
Portanto, na nossa visão, o futuro modelo de negócio das telcos terá que ser colaborativo, envolvendo todo um ecossistema de parceiros de ramos diversos como tecnologia (fornecedores de hardware e software, fabricantes de dispositivos IoT, etc…), indústria (alguns parceiros podendo ser até os próprios clientes B2B atuais das operadoras) e serviços (ex.: startup inovadoras), entre outros. No meio deste ecossistema as operadoras assumirão, além do tradicional fornecimento de conectividade, um papel de hub digital e marketplace suportando a (co)criação ágil e a venda de novos serviços e aplicações baseados em 5G.
Nesta linha, a operadora China Mobile anunciou recentemente o lançamento de um serviço de monitoramento de sinais vitais em parceria com a ZTE (empresa fornecedora de dispositivos móveis e serviços de rede) para suportar as instituições de saúde. Com esse serviço, será possível equipar os pacientes com sensores portáteis ou colocados de baixo da pele e monitorá-los remotamente em tempo real independentemente de onde estiverem. Os dados gerados pelos sensores serão transmitidos via 5G para uma plataforma cloud com inteligência artificial capaz de detectar proativamente alguma irregularidade e avisar médicos e pacientes. O serviço deve permitir assim de reduzir o número de hospitalizações bem como a necessidade de acompanhamento médico regular dos pacientes com doenças crónicas (ex.: diabete, problemas cardíacos, etc…) graças a um maior nível de controle.
No âmbito destas parcerias as operadoras precisam decidir se querem ter um papel apenas de habilitadoras tecnológicas (fornecendo conectividade e plataformas para seus parceiros desenvolverem e venderem os serviços para os clientes finais) ou de fornecedoras de serviços (co-criando os serviços junto aos parceiros, além de fornecer conectividade e plataforma, e tomando conta da interface com os clientes finais). Nós tendemos a acreditar que esse segundo modelo seja mais provável de se concretizar em função do potencial de crescimento que ele representa para as telcos.
Algumas operadoras já até decidiram de adquirir potenciais parceiros para integrar ainda mais a cadeia de valor na criação de serviços. É o caso da Verizon por exemplo nos EUA que resolveu comprar empresas especializadas em monitoramento e gestão de frotas para poder criar e comercializar seu próprio serviço de gestão de frotas chamado “Verizon Connect”. Acreditamos que este tipo de movimento não irá se generalizar entre as telcos (ou ficará muito pontual) pelo risco que ele representa em função dos investimentos necessários e das dificuldades que residem na integração e na gestão de um negócio divergente do core business das telecomunicações.
Na nossa visão, a evolução do modelo de negócio irá acontecer em três etapas:
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Importante sinalizar que essa mudança de modelo de negócio se refletirá também no modelo organizacional das telcos. Do marketing até a venda, passando por TI, redes e atendimento, será preciso realizar mudanças profundas nos processos internos e na formação das áreas. De fato, o número de dispositivos inteligentes conectados ultrapassará em breve o número de clientes humanos e começará a criar-se o ecossistema de parceiros para desenvolvimento de aplicações, mudando totalmente a abordagem ao mercado.
c) Evoluções dos sistemas de suporte (BSS / OSS)
Obviamente, essas mudanças no modelo de atuação e no posicionamento das telcos terão impactos relevantes nos sistemas de suporte ao negócio (os famosos “BSS” que suportam as funções de gestão de catálogo de serviços e produtos, ordering, CRM e faturamento / arrecadação) e de suporte à operação (os “OSS” que suportam a gestão das redes, a computação do tráfego, etc…).
Atualmente, as operadoras contam com arquiteturas de BSS e OSS complexas, compostas por muitos sistemas e interfaces, o que dificulta significativamente a inovação e o lançamento de novas ofertas. Com isso, serão necessários investimentos importantes em soluções para flexibilizá-los e fazer com que se tornem rapidamente escaláveis. As arquiteturas cloud serão provavelmente um fator habilitante para essa transformação, porém vale ressaltar que a migração das infraestruturas atuais para o cloud será um processo complexo e custoso.
Essa evolução sistêmica será a base para que as telcos consigam disponibilizar para seus ecossistemas de parceiros uma estrutura de hub digital com módulos e funcionalidades “plug & play” viabilizando a (co)criação, de forma ágil, de novos serviços e aplicações.
5. Conclusão
O 5G tem o potencial de revolucionar nossa sociedade na maneira com a qual vivemos e trabalhamos, trazendo cada vez mais conveniência e qualidade de vida. Para as empresas e indústrias o ganho será pautado em competitividade de mercado e novos negócios com uma aceleração drástica da transformação digital.
Porém, na nossa visão, a transição do mundo atual para a era 5G será bem mais complexa do que as gerações anteriores para as operadoras. De fato, elas precisarão realizar esforços gigantescos (financeiros, operacionais e organizacionais) sem ter clareza do futuro nem garantia de retorno sobre seus investimentos.
Por isso entendemos que, para fazer com que essa mudança seja um sucesso, as telcos devem desde já procurar definir uma estratégia futura de negócio e de posicionamento firme e clara e priorizar os investimentos em função. Acreditamos que seja de suma importância que elas avaliem também quem poderiam ser seus parceiros mais valiosos no ecossistema do amanhã, olhando inclusive para seus próprios clientes.
Afinal o 5G não trata de uma disrupção somente tecnológica, mas também de toda a estrutura do mercado de telecomunicações.